São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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'Estabilidade depende das privatizações'

DENISE CHRISPIM MARIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O potencial de privatizações do país, da ordem de US$ 60 bilhões, garantiu o Brasil contra os riscos gerados pela crise cambial que afetou nas últimas semanas três países emergentes do Sudeste Asiático.
A avaliação é do economista Fabio Giambiagi, 35, gerente de macroeconomia da área de planejamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ex-assessor do Ministério do Planejamento.
"A minha impressão é que, se não houvesse um potencial de privatização de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões até o ano 2000, nós estaríamos correndo um risco", afirmou Giambiagi.
O país só não pode parar a venda das estatais, constatar que os ajustes interno e externo ainda não foram concluídos e dar sinais de explosiva necessidade de financiamento.
Segundo o economista, outros dois fatores também colaboram para que o relógio se movimente em favor do Brasil e amenizam os possíveis riscos que levaram a Tailândia, a Indonésia e as Filipinas a desvalorizarem suas moedas.
Um deles são as reservas internacionais do país, da ordem de US$ 60 bilhões.
O outro é o próprio déficit em conta corrente (as operações do Brasil com o exterior, incluindo o pagamento de juros da dívida), que ainda se mantém em nível menor que, por exemplo, o da Tailândia ou o do México de 1994.
"O Brasil pode recuperar a taxa de câmbio real ao longo do tempo. Portanto, não creio que a gente corra riscos significativos", explicou ele.
Recuperar o câmbio por meio de desvalorização? Não, afirma ele. Apenas mantendo a atual política do Banco Central de corrigir a taxa nominal de câmbio um pouco acima dos preços. Segundo Giambiagi, o desafio do país é aproveitar o período de transição para aumentar as exportações.
A seguir, alguns trechos da entrevista concedida à Folha.
*
Folha - Alguns analistas ponderam que a crise cambial nos países do Sudeste Asiático pode levar o Brasil a um inevitável ajuste na sua taxa de câmbio dentro de alguns anos. O senhor concorda?
Giambiagi - A minha impressão é que, se não houvesse um potencial de privatização de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões até o ano 2000, nós estaríamos correndo um risco. Mas como há essa perspectiva concreta, a situação deve ser entendida como de desequilíbrio temporário.
As privatizações são uma espécie de colchão de segurança que permitirá ao Brasil ter tempo para se ajustar -inclusive sua taxa de câmbio. Não por meio de minidesvalorização, mas da continuação do movimento que o Banco Central iniciou nos últimos meses.
Folha - O senhor acredita que a situação do Brasil seja mais confortável que a do Sudeste Asiático?
Giambiagi - Há duas grandes diferenças entre o Brasil e aqueles países: o nosso déficit em conta corrente, embora não seja desprezível, está aquém dos níveis de 8% ou 9% do PIB, atingidos antes no México e, agora, na Tailândia.
Segundo, o Brasil se beneficia das lições dos outros países e, portanto, tem tempo para recuperar a taxa de câmbio real ao longo do tempo. Assim, não creio que a gente corra riscos significativos.
Folha - Como o senhor explicaria as quedas nas bolsas de valores na semana passada?
Giambiagi - O que houve foi um movimento interno de típica realização de lucros nas bolsas. De acordo com o Banco Central, as reservas tinham se recuperado nos primeiros dias de julho, em relação ao mês anterior. Esse é um elemento concreto de que não houve nada, do ponto de vista externo, de ruim.
Contra um Banco Central que tem US$ 60 bilhões em reservas só faz sentido especular se as autoridades dão sinais confusos. Em nenhum momento as autoridades deram margem para especulação. Foi uma tentativa de testar o governo. Eventualmente, no futuro, outros movimentos poderão acontecer.
Folha - Por que, em sua avaliação, a única saída para o país seria o aumento das exportações e a diminuição da dependência das importações nos próximos anos?
Giambiagi - Em longo prazo, as exportações terão que aumentar por dois motivos. Primeiro, porque o déficit em conta corrente em relação ao PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país) terá que ser menor do que é hoje.
Segundo, porque a composição desse déficit terá que mudar. Em termos relativos, atualmente se paga pouco juros, lucros e dividendos em relação ao PIB.
Mas, se entrar capital bom, que permanece no país, essa remessa deverá aumentar. No ano passado, o país pagou 1,7% do PIB na forma de juros, lucros e dividendos. Nesse ano, terá que pagar de 1,8% a 2,0% do PIB.
Ou seja, a balança comercial e a conta de serviços terão que aumentar muito mais.
Folha - As medidas já tomadas se mostram eficazes para o país atingir essa meta?
Giambiagi - O governo começou a agir nessa direção com políticas mais específicas, como a desoneração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nas exportações de produtos básicos e semimanufaturados.
As exportações de produtos básicos aumentaram 29% nos primeiros cinco meses deste ano, em relação ao mesmo período de 1996. Isso permitiu o aumento do total das exportações em 5%.
As exportações de manufaturados caíram 3% em relação ao mesmo período de 1996. Mas, em junho, aumentaram 23% em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Folha - Essas elevações podem configurar uma tendência?
Giambiagi - É difícil falar em tendência. Mas pode-se dizer que é um dado animador. No caso de julho, as exportações continuam bem e há motivos para supor que haja continuidade na recuperação dos embarques de manufaturados.
Mas há uma porção de coisas que podem influenciar. Por um lado, a modernização e aumento da competitividade das empresas, que permite a recuperação das exportações. A contrapartida desse esforço é o aumento do desemprego.
Isso permitirá um crescimento da economia na faixa de 4% nos próximos cinco ou seis anos, sem que o Brasil sofra os problemas que outras economias tiveram com o déficit em conta corrente elevado.
Folha - O que poderá fazer com que as exportações aumentem?
Giambiagi - Em primeiro lugar, a continuidade da modernização das empresas. Em segundo lugar, a recuperação da taxa de câmbio real, pois o governo vem desvalorizando o câmbio, em termos nominais, em níveis ligeiramente superiores à inflação.
Essa fórmula permitiria uma recuperação da taxa de câmbio real de 3% a 4% ao ano e poderá compensar boa parte da apreciação cambial ocorrida desde o início do Plano Real. Tudo indica que vai continuar em 1998 e, com menor intensidade, nos anos posteriores.
Terceiro, novas medidas para a redução do chamado "custo Brasil", provavelmente com algum tipo de benefício tributário. Em quarto lugar, a ampliação das linhas de financiamento ao comércio exterior.
Folha - É mais difícil para o governo controlar as importações ou aumentar as exportações?
Giambiagi - Eu acho que o governo está se preparando corretamente para ambas as coisas. O BNDES deverá estimular setores produtores mundiais a se instalarem no país, em particular o de telecomunicações. Esse fato reduziria a necessidade de importação de produtos.
Folha - Quais fatores serão determinantes do ponto de vista da entrada de investimentos no país?
Giambiagi - Três indicadores do país serão vistos com lupa nos próximos meses e anos. São eles o déficit em conta corrente sobre o PIB; a taxa de crescimento das exportações, principalmente as de manufaturados; e a relação entre o déficit público e o PIB.

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