São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Malandragem

OSIRIS LOPES FILHO

Há uma história malandra, tendo como protagonista um batedor de carteira. Apanhado em flagrante quando agia, e imediatamente preso, justificou-se na delegacia policial, afirmando que "na verdade estava a fazer um favor para o assaltado, aliviando-lhe o peso da carteira".
No episódio da prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), o governo federal assume literalmente a posição do batedor de carteira.
Não há dúvidas acerca da sangria que o FEF provoca na saúde, Previdência e assistência social. Dos cerca de R$ 80 bilhões da área social, em 96, o FEF abocanhou algo como R$ 16 bilhões.
Daí a falta de vacinação no país, a crise dos hospitais, o péssimo atendimento médico da população pobre, os sobressaltos da classe média e dos aposentados com a castração de seus direitos.
Alega-se que se pretende dar maior eficácia e racionalidade aos gastos no setor. Pura enrolação. A situação só melhora na enxurrada de dados estatísticos, manipulada pelo governo federal.
O que o atual governo tem demonstrado à exaustão é a irrelevância que atribui à Constituição. Coloca-lhe remendos a toda hora, como se ela fosse mendigo andrajoso.
Outra castração abjeta é a amputação dos recursos dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A crise financeira dos Estados é evidente.
Há uma realidade que não tem sido considerada com a devida relevância. É a situação de cerca de três mil municípios do país, cuja receita própria não ultrapassa 10% da receita disponível. Dito de outra forma, 90% dos recursos de que dispõem advêm de transferências constitucionais, principalmente do Fundo de Participação.
Por outro lado, a tributação municipal apoiada no IPTU, ITBI e ISS só é rentável nos médios e grandes municípios. Nos pequenos, cuja característica é eminentemente rural, a propriedade urbana não é importante e o setor dos serviços é mínimo. Não há muito que arrecadar.
A prorrogação do FEF vai acentuar essa situação de penúria. Uma importante mudança na legitimidade da representação dos deputados federais poderá ocorrer nas próximas eleições, se os habitantes desses municípios rejeitarem nas eleições de 98 quem votou pela prorrogação do FEF. Acorda, povo, e veta os submetidos aos encantos da malandragem federal. Será a hora e a vez do troco.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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