São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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A guerra da aviação

LUÍS NASSIF

A TAM fecha acordo operacional com a American Airlines. Sua operação internacional ganha o "break even" muito antes do prazo fixado. Algumas semanas depois, ganha o prêmio de "Empresa do Ano" da revista "Exame". No discurso de premiação, seu presidente, comandante Rolim Amaro, defende a liberalização do mercado.
Menos de uma semana depois, os fatos começam a ocorrer. Um escritório nos Estados Unidos, com apenas 11 dias de vida, publica um boletim com avaliações sobre a aviação comercial.
Os critérios não são objetivos. Qualidade de manutenção, tempo de vida da frota, procedimentos de prevenção? Nada é levado em conta. Leva-se em conta apenas o número de vôos, dividido pelo de acidentes, pouco importando se as causas tenham a ver ou não com a manutenção dos aviões.
O critério foi renegado por todas as associações especializadas ouvidas sobre o tema -inclusive aquela no qual o escritório se baseou. Poucos dias depois do tal escritório ter sido montado, o boletim já estava nos principais jornais brasileiros.
Mais alguns dias, publica-se outra matéria com supostas fontes do Departamento de Aviação Civil (DAC) informando que a TAM era recordista em infrações. A notícia sai com destaque. No dia seguinte, o DAC desmente a informação. Era a companhia com menos infrações. O veículo que divulgou a informação não retifica.
Provavelmente por coincidência, a sequência continua com uma bomba explodindo em um Fokker da companhia.
O acidente já era esperado, diz uma fonte do DAC para o mesmo veículo. Uma declaração dessas, capaz de destruir uma companhia, é publicada sem se revelar o nome da fonte ou checar a informação.
A hipótese de bomba estava presente desde o primeiro momento. Passageiros falavam de fumaça, de cheiro, de estrondo. Mas nos mesmos veículos há a campanha massacrante falando em falhas estruturais.
Essa sequência basta para enlouquecer a mídia. Nos dias seguintes, pululam acusações, um festival irracional de avaliações e indignações se espalha por todos os quadrantes, com condenações taxativas contra a qualidade da manutenção da empresa.
As matérias batiam no fígado, no ponto capaz de destruir qualquer companhia aérea: colocavam em xeque seu serviço de manutenção. As acusações ocupam mais de 70 horas de televisão. Se uma companhia concorrente resolvesse utilizar esse horário para veicular seus comerciais, o investimento remontaria a US$ 70 milhões. Todas as conclusões se baseavam em dois eventos: a queda do avião, meses atrás; e a explosão da semana passada.
Relatório a ser divulgado pela Aeronáutica provavelmente isentará a companhia da culpa pelo primeiro acidente. O segundo, foi provocado por uma bomba. Quer dizer: eram falsas as duas únicas razões objetivas invocadas pelos críticos para seus ataques impiedosos à companhia.
O que está por trás disso? Certamente, uma cavalar dose de leviandade, que tem marcado muitos eventos jornalísticos recentes. Está em curso uma guerra na aviação civil, pouco perceptível aos críticos ingênuos.
Nos próximos meses, começara o mais profundo processo de reestruturação do setor -um dos mais autárquicos e, desde os tempos de Juscelino Kubitscheck, o politicamente mais influente setor da economia.
Em um país fechado, como o Brasil, passagens de aviões sempre se constituíram em chamariz irresistível para políticos, autoridades, burocratas e jornalistas.
A desregulamentação se dá em um momento em que muitas companhias padecem de problemas financeiros invencíveis. E açulam interesses dos mais variados, para dominar o novo ambiente regulatório.
Numa ponta, tem-se a proposta de se privatizar a Infraero (que cuida dos aeroportos e da segurança de vôo), um jogo bilionário. Na outra, a desmilitarização da avião civil, substituindo os controles do DAC por uma agência de regulação. Também ocorre forte movimento no âmbito do Executivo -coordenado pelo vice-presidente Marcos Maciel- visando convencer o governo a se antecipar e pagar as indenização bilionárias pedidas pelas empresas, em função do achatamento de tarifas no Real.
Além disso, as linhas internacionais deverão sofrer mudanças substanciais nos próximos anos, com o fim dos acordos de reciprocidade.
As peças ainda não estão totalmente encaixadas. Mas esse ambiente de instabilidade e desregulamentação mudará em breve a face da aviação civil brasileira. Grupos atuais podem desaparecer ou serem adquiridos por novos grupos.
Esse quadro serve de alerta para começar a se observar mais detidamente o comportamento daqueles grupos mais interessados na destruição da TAM. Há muita coisa no ar, além dos aviões de carreira.

Email:Inassif@uol.com.br

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