São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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O fim da civilização minóica

BOB JOHNSTONE
DA NEW SCIENTIST"

Há cerca de 3.500 anos, um acontecimento cataclísmico aniquilou a civilização da Idade do Bronze em Creta, no mar Egeu. O culpado evidente pelo desastre foi o vulcão da ilha de Santorini, que se sabe ter entrado em erupção mais ou menos àquela época.
Mas o enigma de como um vulcão situado numa ilha a 120 km de distância poderia haver provocado a destruição da civilização minóica vem intrigando arqueólogos há 60 anos. Agora é possível que tenham encontrado uma resposta.
A erupção na ilha Santorini foi provavelmente uma das maiores da história. A mais destrutiva da era moderna foi a do monte Krakatoa, na Indonésia, em 1883. Mas a cratera que restou em Santorini é quatro vezes maior do que a do Krakatoa. A partir dessas evidências, os vulcanólogos estimam que o vulcão antigo deve ter expulso duas a três vezes mais cinzas e rochas do que o Krakatoa.
Nas décadas de 60 e 70, arqueólogos supunham que os minóicos tivessem sido mortos por uma chuva de cinzas incandescentes, que teria caído sobre Creta após a erupção. Mas exames geológicos, realizados no leito do mar Egeu, indicam que a maior parte das cinzas do Santorini caiu sobre o Egeu oriental e o oeste da Turquia. Creta foi relativamente pouco afetada.
Onda gigantesca
Há outra maneira pela qual os vulcões semeiam o caos. A erupção do Krakatoa gerou uma onda marítima gigantesca ("tsunami"), que recobriu o estreito de Sunda, entre as ilhas indonésias de Java e Sumatra. A onda ergueu rochas de coral de 600 toneladas do leito do mar, depositando-as sobre as praias e devastou a população litorânea, deixando 36 mil mortos. Poderiam os minóicos terem sofrido um destino semelhante?
Joe Monaghan, matemático da Universidade Monash, em Melbourne, na Austrália, conheceu a controvérsia há oito anos, lendo um artigo da edição de 11 de fevereiro de 1989 da "New Scientist". "Pensei comigo mesmo: posso calcular o que aconteceu", disse.
A confiança que Monaghan sentiu em sua possibilidade de lançar luz sobre um enigma que perdura há 3.500 anos foi inspirada em uma técnica de modelagem matemática chamada hidrodinâmica de partículas alisadas (HPA), desenvolvida por ele e dois de seus colegas na Universidade de Cambridge (Reino Unido), nos anos 70.
Para fazer um modelo da formação e do comportamento de um tsunami, é preciso calcular interações entre três fases da matéria: a explosão de poeira, rochas e gases quentes do vulcão, conhecida como fluxo piroclástico; a forma como esse fluxo interage com o ar em volta do vulcão; e como ele interage com a água do mar, formando o tsunami. A quebra de uma onda é igualmente complexa, envolvendo interfaces entre a água e o leito do mar e a atmosfera.
Vantagens da HPA
A HPA representa a onda como um conjunto de pontos separados. Em termos gráficos, o resultado lembra uma pintura pontilhista. Cada ponto pode ser acompanhado em qualquer lugar onde vá, mesmo quando diferentes partes de um fluido se misturam -por exemplo, quando a onda quebra.
Os cálculos indicam que a formação de um tsunami depende em grande medida da densidade do fluxo piroclástico. Se o fluxo for menos denso do que a água do mar, simplesmente se espalha pela superfície do oceano e se dissipa.
Mas se o fluxo for apenas um pouco mais denso do que a água do mar, acontece algo muito mais dramático. Em lugar de fluir pela interface, o fluxo cai no mar e se deposita no fundo do oceano. "Ele empurra a água, como um êmbolo", diz Monagham. É essa tremenda quantidade de movimento que gera o tsunami.
Testes em laboratório
Monaghan e sua equipe testaram suas simulações em tanques de ondas. As interações podem ser simuladas com o uso de uma camada de água salgada sob outra de água doce, para representar a água do mar sob a atmosfera. Para simular o fluxo piroclástico, fizeram água salgada descer uma rampa, juntando-se à mistura. O ângulo da rampa pode ser alterado para modificar a força do impacto.
As primeiras experiências foram feitas em 1994, no Instituto de Geofísica Teórica da Universidade de Cambridge. Os resultados confirmaram que a formação de tsunamis depende da densidade do fluxo piroclástico. "Ninguém havia percebido como é fácil gerar um tsunami", diz Monaghan.
É claro que a água salgada só pode gerar uma simulação aproximada do fluxo. Poeira e rochas podem se separar do fluxo ou se misturar a ele. Monaghan também usou a HPA para calcular o que aconteceria se um tsunami atingisse a costa norte de Creta, voltada a Santorini. Atrás dessa faixa litorânea se estendem planícies de até 3 km de largura, atrás das quais há montanhas. Ele modelou a topografia utilizando a HPA.
Quais teriam sido as dimensões do tsunami? Vulcanólogos estimam que o tsunami de Krakatoa teve cerca de 40 metros de altura e se deslocou a até 300 km/h. Tendo em vista a facilidade com que os tsunamis se formam, Monaghan calcula que o vulcão de Santorini teria gerado uma onda com pelo menos as mesmas dimensões do que a de Krakatoa.
Mas o estreito de Sunda tem apenas 26 km de largura, enquanto Creta fica a 120 km de Santorini. A onda teria perdido energia ao se deslocar por essa distância.
A velocidade com que uma onda se desloca no oceano depende da profundidade da água. Entre Santorini e Creta, a profundidade varia entre algumas centenas de metros e cerca de 2.000 metros.
Para Monaghan, essa variação teria dirigido a onda principalmente à costa norte de Creta, desviando-a de outras regiões costeiras da ilha. Ele calcula que, em consequência disso, a costa cretense deve ter sido varrida por ondas de até 40 metros. "É a altura de um prédio de 12 andares", diz ele.
Correnteza revolta
A pior destruição não teria ocorrido quando o tsunami atingiu a costa da ilha. "Quando uma onda atinge a costa, ela sobe pela praia muito tranquilamente, com um aumento relativamente pequeno da altura da água sobre a linha costeira, e tudo é inundado." Até aí, tudo tranquilo. Mas, depois disso, a onda é refletida das serras situadas atrás das planícies, e é apenas quando ela está retornando ao mar que se desencadeia toda a força destrutiva do tsunami.
"É uma correnteza revolta, espumante, retornando mais concentrada em cursos d'água naturais, tais como vales do rio, e vai arrasar a terra porque está carregada de muitos detritos", diz.
É claro que o tsunami teria devastado algumas partes da ilha, deixando outras relativamente intactas. Muitas pessoas teriam morrido, mas muitas outras poderiam ter sobrevivido. Monaghan diz que o tsunami deve ter provocado a queda dos minóicos, e não os dizimado. A onda gigantesca teria salinizado os campos, destruindo as plantações por anos, e o próprio vulcão teria poluído o mar, destruindo o estoque de peixes.
Com o tempo, esses fatores teriam enfraquecido os minóicos e os deixado vulneráveis a ataques externos. Resquícios de cerâmica encontrados na ilha parecem fundamentar essa hipótese. Arqueólogos acreditam que os minóicos continuaram vivendo na ilha por cerca de 25 anos após a erupção.
Luta pelos alimentos
O vulcão pode ter reduzido o suprimento de peixes. Os danos causados às plantações pela salinização teriam reduzido ainda mais as fontes de alimentos. A concorrência pelos poucos alimentos restantes teria provocado uma revolta camponesa, com saques e incêndios, que teriam destruído a base da civilização minóica. Invasores teriam se aproveitado do caos reinante. Agora Monaghan precisa de evidências concretas de que Creta foi atingida por um tsunami.
Para Peter Bicknell, da Universidade Monash, a única forma de decidir a questão será fazer perfurações nos sedimentos da ilha, procurando materiais marítimos que o tsunami teria levado à terra.
Não será fácil encontrar tais resquícios, pois os depósitos teriam estado no local há 3.500 anos e o litoral norte de Creta costuma ser inundado regularmente por enxurradas que descem das montanhas. Elas carregam pedras encostas abaixo, varrendo tudo e obliterando o registro geológico. "É quase como se a natureza houvesse conspirado para dificultar as coisas para nós", diz Monaghan.

Tradução de Clara Allain

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