São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

México deu só um passo rumo à democracia

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao cabo de tantos anos de crítica e lamúrias sobre as idiossincrasias eleitorais mexicanas, ninguém deveria se surpreender pelo fato de as eleições de 6 de julho terem sido aplaudidas por esquerda e direita, governo e oposição, pelos mercados e pelos comentaristas. Todos as aclamaram como marco no acidentado caminho mexicano rumo à democracia representativa.
Essas eleições foram mais limpas e justas que todas as anteriores. A oposição teve vitórias significativas, como a eleição de Cuauhtémoc Cárdenas, do Partido da Revolução Democrática (PRD) à Prefeitura da Cidade do México e a vitória do Partido da Ação Nacional (PAN) nos Estados de Nuevo León e Querétaro. O Partido Revolucionário Institucional (PRI) ficou enfraquecido, e todo mundo se congratulou pela "festa democrática" mexicana.
Com toda razão: o sistema político mexicano, autoritário e corrupto, deveria ter desaparecido há tempo. O grau de impopularidade e descrédito atingido pelo PRI ao longo dos anos mais do que justifica sua derrota.
Assim, o país viveu um verdadeiro banquete de civilidade e visão política no dia 6 de julho. O candidato do PRI à Prefeitura do Distrito Federal reconheceu sua derrota nas primeiras horas da noite. O presidente Ernesto Zedillo felicitou Cárdenas por sua vitória, que se comprometeu a colaborar com o governo federal, em benefício da maior cidade do mundo.
Os resultados das eleições no conjunto do país não foram questionados ou impugnados. Não houve denúncias imediatas de fraude ou trapaças generalizadas, nem mesmo nas áreas rurais.
Em suma, tudo parece ter dado certo, num país que precisava urgentemente de uma forte dose de boa sorte. Esse roteiro cor-de-rosa se justifica plenamente. Entretanto, a missão de acadêmicos e escritores consiste em ir mais longe e formular as perguntas incômodas -e há muitas.
A primeira, e provavelmente mais importante, se refere às persistentes peculiaridades pré-democráticas das eleições mexicanas. Como em todos os países que emergem de regimes autoritários, os comentários pós-eleitorais enfatizaram o processo, não o resultado. Todo mundo comentava a transparência e honestidade inquestionáveis da eleição e falava muito menos da identidade dos vencedores e perdedores. Foi um contraste marcante com o que se viu, por exemplo, na última eleição importante no mundo -a eleição francesa, de maio e junho-, em que o importante foi quem ganhou e quem perdeu e as implicações do resultado.
Embora a contagem dos votos tenha demorado demais, ao que parece devido aos detalhes aberrantes da legislação eleitoral mexicana -que, entre outras coisas, presenteia o partido majoritário com uma representação adicional de quase 8%-, o PRI obteve 239 dos 500 lugares no novo Congresso. Somados às seis vagas do Partido do Trabalho -organização artificial, pertencente ao PRI e criada por Raúl Salinas de Gortari durante o mandato de seu irmão, Carlos, para fins políticos próprios-, o PRI poderá tentar alcançar uma maioria "funcional" ou "de trabalho" na Câmara.
Mais ainda, tendo em vista a tendência manifesta dos deputados oposicionistas de faltar às sessões da Câmara, é muito provável que, no caso de temas-chaves, tais como o Orçamento, as investigações sobre a corrupção, as novas reformas econômicas e outras iniciativas presidenciais importantes, o PRI e Ernesto Zedillo consigam assegurar sua aprovação sem precisar negociar com o PAN ou o PRD.
Talvez não precisem recorrer a essa maioria de fato com frequência. Provavelmente o Congresso será palco de mais negociações do que antes. Mas o PRI não perdeu o controle, e há toda a diferença do mundo entre uma maioria operacional, por pequena que seja, e a ausência dela.
A distribuição regional dos votos pode ser interpretada como uma segunda sombra lançada sobre as eleições de julho. Em partes do norte do país, na Cidade do México e na área metropolitana da capital, os resultados mostraram uma votação dividida: maiorias do PAN ou do PRD, com o PRI chegando próximo em segundo lugar.
A divisão das vagas legislativas correspondentes refletiu essa proporção. Mas nos Estados mais distantes e rurais, dominados pelo chamado "sindicato de governadores" vinculados ao ex-presidente Carlos Salinas de Gortari ou por caciques locais fortes, a situação é outra: 6 de 7 distritos para o PRI em Coahuila, 10 de 12 distritos em Chiapas, 6 de 7 em Hidalgo, 11 de 11 em Oaxaca, 15 de 15 em Puebla, 6 de 6 em Tabasco, 20 de 23 em Veracruz e 5 de 5 em Zacatecas.
Queixas moderadas
A oposição se queixou moderadamente. Mas, no fundo, aceitou o revés: o PRI continuaria vencendo à moda antiga nas áreas distantes do centro político ou econômico do país, desde que o PAN e o PRD pudessem triunfar de modo transparente nas cidades mais importantes da nação.
Por último, a euforia em torno do processo e das vitórias mais significativas da oposição dissimulou parcialmente o consolo do PRI. Depois de muitos anos e da pior crise econômica da história recente do país, de uma enxurrada sem fim de escândalos de corrupção, assassinatos, cadáveres e traições, os "derrotados" mantiveram quase 40% dos votos, uma maioria virtual no Congresso e uma perspectiva animadora para a eleição presidencial do ano 2000.
Graças à incapacidade e à falta de disposição do PAN e do PRD de forjar uma aliança contra o PRI e o sistema, aumenta a cada dia a probabilidade de uma disputa entre três ou quatro candidatos nas eleições do final do século.
Numa disputa desse tipo, o núcleo duro do PRI -mais ainda por tratar-se do único partido com presença autêntica em todo o país- confere ao partido possibilidades de vitória muito maiores do que se poderia imaginar com base no seu péssimo desempenho no governo e na luz negativa sob a qual a imprensa o retrata.
Assim, o México deu um grande passo à frente no dia 6 de julho, mas foi um passo, nada mais. A realização de eleições limpas e o fato de a oposição passar a ocupar cargos decisivos no sistema político constituem condições necessárias, mas não suficientes, para começar a combater as pragas ancestrais da vida mexicana: a desigualdade, a corrupção, a cultura autoritária e, durante, os últimos 15 anos, a estagnação econômica.
Sem as eleições de domingo passado, o país se encontraria muito mais despreparado para fazer frente a esses desafios. Com as eleições, tem condições de ingressar no novo milênio com esperança.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Charles prepara aparição com Camilla
Próximo Texto: Governo causou ação do ETA, diz separatista
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.