São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Governo causou ação do ETA, diz separatista

CYNARA MENEZES
ENVIADA ESPECIAL A BILBAO

O assassinato pelo ETA do vereador Miguel Angel Blanco, do Partido Popular (PP), há uma semana, e as manifestações de protesto em toda a Espanha não fizeram surgir dúvida alguma entre os simpatizantes do grupo terrorista.
Para os abertzale (patriota, em basco), como se autodenominam os separatistas, a culpa é do governo do premiê José María Aznar, do PP, que poderia ter negociado com o ETA, grupo separatista basco, e ter evitado o assassinato.
O ETA sequestrou o vereador no último dia 10 e deu prazo de 48 horas para que os presos ligados ao grupo fossem transferidos para prisões no País Basco. Dois dias depois, o corpo de Blanco, 29, foi achado com duas balas na cabeça. A morte do vereador foi declarada na madrugada do dia 13.
Cerca de 6 milhões de espanhóis foram às ruas nos dois dias seguintes protestar contra o ETA. Sedes e membros do Herri Batasuna (HB), o braço político do grupo terrorista, foram atacados. O partido pode perder a principal prefeitura que conquistou nas últimas eleições, a de Mondragón -os vereadores da cidade basca articulam uma moção de censura contra o prefeito.
"Na manhã seguinte ao sequestro, o HB pediu que o governo fizesse um gesto para salvar a vida (de Blanco)", disse em entrevista exclusiva à Folha na última quinta, em Bilbao (País Basco), o deputado do Parlamento basco Tasio Erkizia, 53, um dos dirigentes de HB.
Quando perguntado se a culpa pela morte do vereador era do governo, Erkizia respondeu: "Efetivamente".
*
Folha - Por que o HB não condenou o assassinato de Miguel Angel Blanco?
Erkizia - Desde o nascimento do HB, nos comprometemos ante o povo basco a fazer todos os esforços para superar o enfrentamento que existe entre o Estado e o Euskadi Herria (País Basco), a ser um instrumento para a paz.
Nós nos comprometemos a defender a soberania para nosso povo, recuperando o euskaria (o idioma basco) como língua instrumental diária, recuperando a unidade político-territorial e conseguindo que o Estado reconheça o direito à autodeterminação.
Logo, conscientes de que as condenações de pouco servem, nossa linha de intervenção foi sempre idêntica: ir às raízes do problema, buscar e propor soluções.
No caso de Miguel Angel, na manhã seguinte ao sequestro, o HB publicou uma nota em que se pedia encarecidamente ao governo que fizesse um gesto para salvar sua vida. O que se pedia era o respeito às normas legais e aos direitos mínimos dos presos.
Folha - Ou seja, vocês lamentam o assassinato, mas para vocês o culpado é o governo?
Erkizia - Efetivamente.
Folha - Quais são as reivindicações para que acabe o terror?
Erkizia - Aqui, se alguém cria terror, é o Estado. A melhor forma para solucionar os problemas sociais, trabalhistas, linguísticos etc. é sendo independente.
Ao mesmo tempo temos um programa de mínimas garantias democráticas. E o mínimo é que o Estado reconheça que o Euskadi Herria é uma nação. Que reconheça que o Estado espanhol é uma realidade plurinacional. Nesse momento, nosso povo está dividido em três administrações diferentes: as "bascongadas" (Guipúzcoa, Vizcaya e Alava -que compõem o País Basco) e Nafarroa (Navarra), dentro da Espanha, e o Euskadi Norte, na França.
Folha - Essas regiões fariam parte de um país independente?
Erkizia - Depende. Se nosso povo, em um referendo, decidir por pertencer à Espanha, nós respeitaremos isso. A organização ETA disse muitas vezes que não se impõe absolutamente nada. Nós respeitamos os espanhóis que dizem que isto é Espanha.
Folha - O que vocês acharam das manifestações anti-ETA?
Erkizia - São reflexo de várias coisas. De uma sensibilidade humana normal, convertida em choque emocional pelos meios de comunicação. De uma utilização desses sentimentos por parte do Estado para justificar sua política contrária a favor da dispersão dos presos. Esses sentimentos foram utilizados pelo Estado para converter o abertzale no bode expiatório e, emocionalmente, usar esses sentimentos da população contra o ETA e o independentismo basco.

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