São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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Dois presidentes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A louvada habilidade política do presidente da República repousa num assumido cinismo operacional. Ele descobriu que o Brasil é formado por dois tipos antagônicos de eleitorado. Contrariando o preceito bíblico, ele serve aos dois senhores. É preciso mais do que coragem para isso. É preciso ter cara.
Usa dois discursos contraditórios para contentar a um e a outro. Nas praças públicas, no prolongado comício que é o seu governo, ele pede ao povo que não o abandone à sanha dos apetites inconfessáveis do outro eleitorado.
No gabinete presidencial, quando fala para empresários, banqueiros, especuladores e toda a caterva desse outro eleitorado, ele se mostra moderno e globalizado, atento aos movimentos da Bolsa da Tailândia ou de outra qualquer Bolsa do turno.
Na semana que passou, mais uma vez decidiu de que lado está: vai usar o dinheiro das privatizações no abatimento da dívida. Com isso, reforça a formação do Estado neoliberal que não é mais Estado, mas uma mesa de câmbio e investimentos visando o lucro de grupos em detrimento da sociedade em geral, que precisa de saúde, educação, segurança, moradia etc.
Na primeira oportunidade em que falar ao eleitorado que devia contar -aquele que o elegeu e pode elegê-lo mais uma vez-, evitará falar na Bolsa, na Tailândia, na dívida. Dirá que seu governo está dando saúde, educação (etc.) e dará mais ainda no próximo mandato.
Como se vê, são dois eleitorados, dois discursos, duas caras. Talvez por isso, na foto em que o presidente anuncia o abatimento da dívida, vemos a seu lado o amigo, ministro e tesoureiro Sérgio Motta esconder a própria cara. Na véspera, ele garantira que depois de penosa negociação metade do dinheiro seria aplicado no campo social.
Daí a existência concreta de duas nações num só país. Coerentemente, temos dois presidentes.

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