São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997
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A nova cooperação entre Brasil e Portugal

ANTÓNIO GUTERRES

Quando tomei posse como primeiro-ministro, defendi que Portugal não devia ficar obcecado com o seu relacionamento europeu. A defesa da nossa identidade e o papel de Portugal na UE passam pelo aprofundamento das relações com o mundo a que a história nos liga e em que o Brasil tem um papel ímpar a desempenhar.
Nessa altura, lembrei a necessidade de encontrar um novo ponto de equilíbrio entre a nossa integração européia e a vocação atlântica e universalista de Portugal. Um ponto de equilíbrio que passa, em primeiro lugar e sobretudo, pelo Brasil e pela África de língua oficial portuguesa. Foi essa visão, aliás, que suportou e se traduziu na criação, há um ano, da CPLP (Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa).
Nesse sentido, decidi que a minha primeira visita oficial seria precisamente ao Brasil, tendo decorrido em abril de 1996. Os dois países estavam excessivamente afastados, o que, antes de mais, era uma traição à história.
Os contactos que mantive na altura com o presidente Fernando Henrique Cardoso provaram que havia um caminho a percorrer. Esse caminho já começou a ser traçado. Não só pelas autoridades de ambos os países, mas, como deve acontecer numa sociedade aberta, pelos agentes econômicos e culturais.
Quando eu exprimia a convicção de que Portugal e o Brasil saberiam tirar partido de um patrimônio histórico-cultural comum e de uma invejável complementaridade geoestratégica, muitos terão pensado estar perante mais uma declaração típica de "wishful thinking".
De fato, a história recente no domínio da cooperação e das relações econômicas entre os dois países parecia contrariar, pela sua apagada expressão, quaisquer perspectivas realistas nessa direção. Afinal, as forças vivas encarregaram-se de, no terreno, sustentar a aposta estratégica dos governos português e brasileiro e de dar razão à ousadia. Ao repto político os agentes econômicos souberam responder presente.
O atual estado das relações econômicas entre Portugal e o Brasil prefigura um novo espaço de cooperação, cujo domínio ultrapassa as fronteiras geográficas. Observe-se o alcance que, no setor das telecomunicações, a Aliança Atlântica pode atingir, mercê do enquadramento global em que está inserida e das perspectivas que se abrem, quer entre a América do Sul e a Europa, quer noutras áreas do globo.
Veja-se o esforço conjunto que consórcios luso-brasileiros vêm realizando em projetos de engenharia e obras públicas no Magreb. Atente-se às sinergias comerciais e tecnológicas que uma atuação conjunta, com base em parcerias empresariais, pode proporcionar no Extremo Oriente ou na África Austral. Os dados estão definitivamente lançados.
No plano bilateral, o ano transacto constituiu um ponto de inflexão histórico nos fluxos de capitais e comerciais entre os dois países. Em 1996, Portugal foi o sexto maior investidor no Brasil, o que se traduziu em fluxos de capitais da ordem dos mil milhões de dólares. De 1995 para 1996, a formação bruta de capital fixo de origem portuguesa decuplicou.
O investimento português tem-se dirigido a um conjunto diversificado de áreas, onde avultam o setor financeiro, as telecomunicações, a energia, os cimentos, a distribuição e os moldes. É-me grato verificar que a corrente se tem vindo a alargar a muitos outros setores de atividade.
Hoje, já não é motivo de surpresa a constituição de novas empresas, tomadas de capital ou parcerias em setores de atividade tão variados -e tão especializados- como a eletrônica, os derivados de madeira, as cerâmicas, os componentes de automóveis, os cabos, os combustíveis ou as celuloses.
No campo clássico das trocas comerciais, o panorama não é menos animador. Apesar de o Brasil representar apenas 1,2% do comércio externo português -constituindo-se como o segundo maior parceiro no continente americano, a seguir aos EUA-, as exportações portuguesas têm vindo a progredir de forma consistente, tendo o seu valor quadruplicado de 1993 para 1996.
Os dados disponíveis relativamente ao ano em curso confirmam essa tendência ascendente, assim como a da redução do crônico déficit da balança comercial portuguesa com o Brasil.
É a partir desse patamar cada vez mais elevado das relações econômicas bilaterais que se desenha uma estratégia de intensificação do relacionamento entre o Mercosul e a União Européia.
Num mundo em crescente globalização da economia, a única forma para regular os mercados é por meio de blocos regionais fortes e de uma empenhada cooperação. Ora, a UE e o Mercosul são os dois únicos blocos regionais que souberam ver para além do comércio livre, atuando como verdadeiros espaços de integração política, econômica e social. Por isso, o Mercosul e a UE podem e devem ser um fator estruturante da nova arquitetura internacional.
A visão, a liderança e a determinação que o presidente Fernando Henrique Cardoso tem sabido imprimir ao desenvolvimento do Mercosul são a melhor garantia do êxito desse eixo indispensável de cooperação mundial.
No domínio multilateral, o acordo de cooperação comercial e econômica da União Européia com o Mercosul prevê um conjunto de medidas destinadas a incentivar as relações empresariais entre os dois blocos, designadamente por meio do encorajamento à cooperação entre pequenas e médias empresas, um dos desafios mais palpitantes no atual quadro de globalização econômica.
Será na formação de joint ventures, redes de informação, transferência de know-how, tecnologia e concertação estratégica que se irão distinguir os sistemas econômicos vencedores. Será, pois, no equilíbrio entre os fatores dinâmicos de progresso da Europa e da América do Sul que Brasil e Portugal poderão encontrar uma via de desenvolvimento pujante e sustentada.
A cimeira luso-brasileira que decorrerá nesta semana, e se repetirá todos os anos, vai permitir um balanço e aprofundamento de todas as políticas desenvolvidas pelos dois governos, bem como o aproveitamento das muitas oportunidades que se apresentam para o futuro. Estou profundamente convicto de que será mais um momento significativo no relacionamento entre os nossos países irmãos.

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