São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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As virtudes da proteção

CELSO PINTO

No século 19, os Estados Unidos praticavam as mais altas tarifas de importação entre os maiores países. A Colômbia, ao contrário, tinha umas das economias mais abertas do mundo. Não é difícil saber quem se deu melhor.
Longe de ser uma exceção, diz Michael Pettis, essa foi a regra da história do mundo nos últimos três séculos. Dizer que o livre comércio ajuda o crescimento tornou-se consenso entre os economistas, admite, mas não há exemplos na história de países pobres que se deram bem praticando o livre comércio. Exceto pequenas cidades-Estado como Hong Kong e Cingapura.
A tese soa ainda mais polêmica por partir de um professor de Finanças da Universidade de Columbia e diretor do banco de investimentos Bear Stearns, em Nova York. Americano, filho de mãe francesa e que viveu vários anos na Espanha, Pettis é um estudioso da história latino-americana. O que, diz ele, ajuda a derrubar mitos e colocar fatos em perspectiva.
Um mito: a suposta inclinação atávica dos latinos ao protecionismo. Ao contrário, lembra Pettis, a América Latina era, no século passado, uma região muito aberta comercialmente. Um fato a colocar em perspectiva: imaginar que a atual onda de crescimento venha da recente liberalização comercial.
Pettis acha que a expansão deve ser debitada mais à abundância do capital externo do que ao comércio. Abundância cíclica. No último século e meio, a história latino-americana passou por várias fases de expansão alimentadas por abundante liquidez internacional, seguidas por crises e recessões quando a liquidez aperta. Ele teme que algo parecido possa se repetir.
Pettis não defende o protecionismo puro e simples. Acha que a virtude está na defesa tarifária de indústrias nascentes, até que elas ganhem produtividade para competir.
O erro da América Latina, em geral, e do Brasil, em particular, nas últimas décadas foi confundir proteção externa com falta de competição interna. A proteção não deve ser decidida por um burocrata para ajudar uma certa indústria a se tornar monopólio ou oligopólio.
Deve beneficiar setores mais amplos e ser acompanhada por regras que estimulem o máximo de competição interna -a única forma de ganhar produtividade. Deve evitar, também, setores como informática e telecomunicação, vitais para a produtividade de outros setores.
O Banco Mundial criticou duramente o Mercosul por privilegiar o comércio intrabloco, protegendo-se contra o comércio de fora, porque isso reduziria a eficiência das suas economias.
Pettis, ao contrário, acha que a virtude do Mercosul é eliminar as barreiras internas, ampliando mercados que são complementares e em estágio similar de desenvolvimento. O Mercosul, a seu ver, deveria manter tarifas de importação que protegessem a região por um longo período e não eliminá-las em 2006, como prevê o acordo.
Isso reduziria a eficiência, concorda Pettis. Mas pergunta: que eficiência? "Se é a que maximiza o consumo e permite comprar mais barato, acho que o objetivo deveria ser o oposto: maximizar a produção hoje e adiar a maximização do consumo para o futuro", argumenta.
Foi o que fizeram os países que deram certo. A Inglaterra só aderiu ao livre comércio em 1846, quando já era o país mais produtivo do mundo. Antes disso, abusou do protecionismo para se defender dos holandeses e tornar o comércio com os Estados Unidos seu monopólio.
Os Estados Unidos consolidaram o protecionismo e a economia quando o Norte industrial dominou o Sul exportador de "commodities". A Alemanha só se industrializou quando, entre 1870 e 1914, foi fortemente protecionista. O Japão se consolidou como uma economia fechada.
A América Latina, Espanha, Egito, China, Leste Europeu e Império Otomano, que tinham políticas comerciais mais liberais nos séculos 18 e 19, acabaram se concentrando na agricultura, extrativismo e manufaturas menores.
A proteção, sozinha, não garante o crescimento, adverte. Mas pode ser um ingrediente básico para aprofundar ou alterar uma vantagem comparativa "natural" de um país. Sua má reputação, diz Pettis, veio da má companhia: o dirigismo e o espírito anticapitalista de seus defensores nas últimas décadas.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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