São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Parceiros sociais do planejamento

ROBERTO DE ARAUJO PEREIRA

A estabilização da inflação com o Plano Real criou instrumentos analíticos que favorecem, por sua consistência, a construção de cenários alternativos de investimento, indispensáveis ao planejamento econômico e social de médio e longo prazos.
Nesse contexto, o Ministério do Planejamento recentemente anunciou a contratação de consultorias privadas para a identificação de oportunidades econômicas de longo prazo, a nosso ver uma medida importante na articulação do projeto nacional de modernização da economia.
Entendemos que a função do planejamento, em todo o mundo, mantém uma característica de predominante responsabilidade pública e assim deve continuar. A Constituição Brasileira, aliás, consagra esse princípio no artigo 165 e seguintes.
O governo, todavia, ao credenciar a consultoria para estudo e diagnósticos de oportunidades, antes uma exclusividade do Estado, abre espaço para a cooperação técnica de entidades da sociedade civil e cria estímulos a que mais segmentos do setor privado e social se tornem parceiros do projeto de desenvolvimento do país.
A parceria entre o setor público e a iniciativa privada na área de infra-estrutura mostra resultados surpreendentes nos programas de privatização e concessões. Essa experiência seguramente pode ser levada ao planejamento de investimentos públicos, envolvendo o setor público e a arquitetura e engenharia consultiva, especialmente naqueles programas que envolvem maior complexidade operacional e gestão de conflitos.
Nesse aspecto, vale lembrar parcerias realizadas em São Paulo, tais como o Convênio Hibrace, que desenvolveu para o Estado o Plano de Aproveitamento dos Recursos da Água e da Terra das Bacias do Alto Tietê e do Rio Cubatão; o Plano Urbanístico Básico (PUB), celebrado com a Prefeitura de São Paulo; o PMDL (Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São Paulo) e, mais recentemente, programas de impacto no meio ambiente e outros.
A excelência desses trabalhos referenda essas experiências como modelares. Essa prática, enfim, vem sendo difundida em todo o mundo, incentivada por organismos internacionais, em especial o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Nesse quadro, é forçoso constatar que, por falta de continuidade do planejamento, o cidadão brasileiro se defronta hoje, cada vez mais, com graves problemas de transporte coletivo e poluição, com a carência de saneamento básico e de abastecimento de água, com o mau atendimento hospitalar e a falta de segurança pública, para citar aqueles que mais frequentam o noticiário.
Praticamente quase nenhum município do país, em 1988 para cá, formulou e implantou, como manda a Constituição, seu Plano Diretor. Ninguém desconhece, por outro lado, que nesse período nossas cidades cresceram e multiplicaram sua população, sem um planejamento voltado à solução dos problemas complexos do adensamento urbano e do atendimento social.
Do ponto de vista nacional, constata-se que há anos o país abandonou seu planejamento estratégico. Em contrapartida, agravou-se o quadro da restrição social e atingimos o patamar das nações com os mais baixos índices de desempenho humano. Sociedade cruel e predadora, não conseguimos acompanhar o ritmo de crescimento das carências sociais da população, muito embora figuremos entre as dez maiores economias do mundo.
Marchamos neste momento para um ansiado período de grandes investimentos estrangeiros na indústria e na área de serviços e não tomamos consciência de que estamos, pela má conservação e pela falta de planejamento da nossa infra-estrutura, construindo armadilhas sociais que, no futuro, poderão retirar as condições preferenciais de investimento que o Brasil hoje ostenta.
Nossas carências são bem conhecidas: ameaça grave de esgotamento da produção e distribuição de energia para os próximos anos; urgente necessidade de modernização da malha de transportes; forte pressão na demanda de saneamento básico por programas de esgoto e abastecimento de água; e graves carências sociais nas áreas de educação, saúde e segurança pública, aquelas de maior impacto e visibilidade.
A falta de recursos tem sido a justificativa alegada pela administração pública para adiamento ou inexecução de programas e projetos cujo dispêndio não ultrapassa 5% do valor do investimento total. Não nos esqueçamos, contudo, que é a escassez, lei primeira da economia, a matriz básica da razão do planejamento.
Para países periféricos como o Brasil, confrontados com graves exigências sociais, há uma forte conexão entre a questão da democracia e o processo do planejamento. Mais que um processo ordenado de decisões e instrumentos de intervenção macro, o planejamento aqui, para ganhar eficácia econômica e render a eficiência social desejada, deve se apoiar no envolvimento integral da sociedade às suas metas, desde o primeiro momento da concepção dos programas, indo até a definição de suas alternativas e opções tecnológicas.
A possibilidade, todavia, de envolvimento do cidadão nos programas de investimento governamental se dá exclusivamente por meio das audiências públicas da lei 8.666, instituto que as autoridades administrativas vêm transformando, não raro, em audiência de "mentirinha", vazia da presença do principal interessado, o usuário final.
Passar da prática de um planejamento fechado para um planejamento aberto e negociado não é missão impossível, se levarmos em conta que o ciclo de um projeto do tipo hidrelétrico leva entre 7 e 12 anos, e os programas de infra-estrutura, no mínimo de três a cinco anos. Basta vontade política.
Em verdade, a parceria da sociedade no estudo, na formulação, no controle e no gerenciamento dos programas e projetos setoriais, além da transparência que imprime à aplicação e ao uso dos investimentos públicos, tende a minimizar as chances de entropia e a ocorrência de pontos de estrangulamento no seu processo de implantação e sustentação.
Papel estratégico nesse processo se reserva à arquitetura e à engenharia consultiva. Além da cooperação no estudo de projetos e oportunidades econômicas de curto, médio e de longo prazos, onde se incluem os programas de privatização e concessões, nossas empresas poderão, subsidiariamente, articular de forma convergente as ações e o interesse solidário entre Estado, agentes econômicos e sociedade civil.
O cabedal de conhecimento que guardam dos programas e projetos e sua capacidade de acompanhamento, controle e gerenciamento certamente ampliarão a visão empírica do administrador público e facilitarão a implantação dos programas e dos empreendimentos públicos, enfim.

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