São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Drogas se apossam da bola na Colômbia

DA REPORTAGEM LOCAL; COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pasadena, Califórnia, 22 de junho de 1994. A seleção da Colômbia entra em campo para enfrentar a quase diletante equipe dos Estados Unidos como favorita, pela primeira fase da Copa.
Las Vegas, Nevada, mesmo dia e horário. Alguém aposta US$ 50 mil numa banca muito exclusiva, montada clandestinamente em um hotel, onde uma vitória norte-americana pagava US$ 19 para cada US$ 1 apostado.
Era quase certo, mas a Colômbia perdeu por 2 a 1 e estava praticamente eliminada do torneio. Pior, o primeiro gol adversário foi contra. O zagueiro Andrés Escobar, 26, ainda deitado no chão, leva as mãos à cabeça, tentando dimensionar o tamanho de seu erro.
Dez dias depois, antes mesmo de a Copa terminar, Escobar leva 12 tiros na saída de um bar em Medellín, escancarando para o mundo o envolvimento do narcotráfico com o futebol colombiano.
Passados três anos, no domingo passado, em partida eliminatória para a próxima Copa, uma não mais favorita Colômbia enfrenta o Equador, em Bogotá. Mas, como já acontecera nos EUA, vários de seus membros entram em campo sob ameaças públicas de morte.
A vitória acontece, para alívio do técnico Hernán Gómez, um dos intimidados, que viveu o pesadelo de 94, como auxiliar de Maturana.
Mas, para aumentar o paradoxo em torno desse país onde até o presidente já foi acusado de envolvimento com o tráfico, o atacante Anthony De Avila, autor do único gol da partida, resolve dedicar o feito aos irmãos Rodríguez de Orejuela, que cumprem 20 anos numa prisão federal dos EUA.
Mais uma vez, a Colômbia e seu futebol se vêem confundidos com o narcotráfico. Os Orejuelas, além de benevolentes patronos do América de Cali, de onde De Avila surgiu, são acusados de amealhar US$ 800 milhões com o comércio internacional de drogas.
Paixão
Em um de seus últimos números, a revista "France Football" tenta traçar os incomuns contornos desse "narcofutebol".
Contrasta a ascensão do esporte no país, na metade dos anos 80, que credita ao ideário de técnicos inovadores como Maturana e Luis-Affonso Marroquin -"o futebol é como um sentimento, corre no sangue, um pretexto para ser herói" ou "uma bola é feminina, não se pode maltratá-la, mas acariciá-la"-, com o envolvimento dos clubes com os traficantes.
O já morto Pablo Escobar e seu Nacional de Medellín, único título da Colômbia na Libertadores; os Orejuela e o América de Cali, medíocre no final dos 70, oito vezes campeão nacional no final dos 80; o Millonarios, o Santa Fé, o Junior Barranquilla. A lista é grande.
Segundo denúncias recentes, nada menos que 11 das 16 equipes da primeira divisão apresentam irregularidades administrativas, sócios-fantasmas, fontes de renda não comprovadas e enriquecimento ilícito de dirigentes.
Pelo menos cinco teriam comprovados laços com o abundante dinheiro do tráfico, capaz de transformar garotos pobres em jogadores de contratos faraônicos.
Morte
A origem humilde da maioria dos jogadores colombianos explicaria a atitude de De Avila. Em uma de suas muitas justificativas, declarou que os irmãos Rodríguez haviam feito "o que ninguém fez". "Me deram um caminho, conselhos, em um momento em que muito precisava."
Chegou a ser preso, em 93, acusado de participação num sequestro. Foi libertado após seis meses, depois de se livrar da acusação.
Hoje, atuando no México, foi condescendente com De Avila. "Ele não disse nada demais. Eu mesmo já dediquei vitórias a militares, paramilitares e guerrilheiros. São coisas que acontecem em nosso país. Para quem não é colombiano, fica difícil entender."
Além do esporte, o narcotráfico desenvolveu uma forte indústria de apostas, que vitimou, entre outros, Andrés Escobar, em 94.
Seu pai, em entrevista à "France Football", não crê mais nisso. Prefere responsabilizar o país, onde "as leis são feitas por bandidos".

Com agências internacionais

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