São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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A revolução mais íntima

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando "Salve-se Quem Puder - A Vida" estreou em 1980, alguns críticos disseram que Godard tinha se rendido ao cinema comercial. Curioso comentário sobre um filme que faz uma representação terrível do comércio entre os homens (prostituição e negócios).
Para quem estava com 20 anos na época e tinha passado a vida assistindo aos filmes do cineasta em cinematecas e cineclubes, aquele era, ao contrário do que diziam os comentários mais levianos, um acontecimento extraordinário, embora menos estrondoso e evidente que a "revolução" dos anos 60.
Para quem tinha 20 anos em 1980, "Salve-se Quem Puder" foi, por fim, o Godard do seu tempo, do presente, sem a nostalgia da relíquia. Uma "revolução" mais íntima, melancólica e individual -aparentemente, uma contradição em termos e, por isso mesmo, uma revolução.
Há quem veja no filme uma reflexão micropolítica sobre o que se passa entre os gestos, nas relações humanas, com a decomposição das imagens e dos movimentos (câmera lenta, quadro a quadro) até os seus mínimos detalhes. Mas, mais do que isso, como fica claro na última cena, quando a câmera, numa tirada bem-humorada, revela uma orquestra que executa in loco a trilha sonora, o que Godard propõe ao decompor os movimentos à maneira dos pioneiros do cinema é levar o espectador a "ver a música". Ver a música. Poderia haver definição mais contundente do cinema?

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