São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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As polêmicas de Furet

MODESTO FLORENZANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando, em 1978, François Furet publicou o livro "Pensando a Revolução Francesa" (traduzido no Brasil, pela Paz e Terra, em 1989), era já um historiador conhecido e polêmico.
Conhecido por suas pesquisas sobre história social da França do século 18 (que resultou em vários artigos e no livro "Livre et Société dans la France au 18ème. Siècle", de 1965), por sua passagem na direção da famosa Quarta Seção da Escola Prática de Altos Estudos (que agrupava os historiadores ligados aos Annales), por sua participação, com o artigo "O Quantitativo em História", em "Faire de l'Histoire" (dirigida por J. le Goff e P. Nora, e cujo aparecimento, no início dos anos 70, foi visto como uma espécie de manifesto da chamada Nouvelle Histoire).
Polêmico porque, em 1965, publica, em parceria com o também já morto Denis Richet, "La Révolution Française", uma interpretação revisionista da Revolução, a primeira a ser produzida na França (dez anos depois de o historiador conservador inglês A. Cobban inaugurar, inadvertidamente, o revisionismo com o "O Mito da Revolução Francesa") e por dois historiadores ex-comunistas!
Atacado como revisionista, em 1970, pela "escola" do historiador marxista Albert Soboul, que, então, dominava a historiografia da Revolução Francesa, era o que Furet esperava para desencadear -com o texto "O Catecismo Revolucionário", publicado no ano seguinte na revista "Annales"- uma crítica de grande envergadura a Soboul em particular e à historiografia jacobino-marxista em geral.
Mas é com "Pensando a Revolução Francesa" que Furet se consagra como o grande nome da historiografia revisionista, dentro e fora da França, pois, com esse texto, não só renova e sistematiza a crítica a toda a historiografia francesa identificada com a Revolução Francesa, portanto, a toda a historiografia de esquerda, como também propõe um modelo explicativo alternativo da Revolução.
Um modelo liberal-conservador que, apesar de reduzir a Revolução a um mero fenômeno político e ideológico e de ter sido muito criticado, não deixa de ser, goste-se ou não, uma grande realização intelectual.
Assim, quando em 1988, na véspera do bicentenário, publica em parceria com Mona Ozouf, o também polêmico "Dicionário Crítico da Revolução Francesa", apenas consagra -atraindo sobre seu nome a atenção principal (a revista inglesa "The Economist", de 24/12/88, tratou-o de o "rei do bicentenário")- a fama já conquistada com o texto de 1978.
Em "O Passado de uma Ilusão - Ensaio sobre a Idéia Comunista no Século 20", Furet faz finalmente seu acerto com o comunismo -dando razão a uma observação de Hobsbawn, que, em "Ecos de Marselha", mostrava que na França a crítica ao comunismo passava pela crítica da Revolução Francesa.
Pode-se dizer que, embora seja esta a sua melhor obra e também a mais bem escrita, ela não possui nem a originalidade da anterior nem as circunstâncias para garantir seu lugar e importância.
Seja como for, com ela Furet completa uma trajetória singular e irônica. Começou como historiador ligado aos Annales e cultuando a Nouvelle Histoire e terminou como um historiador do Instituto de Estudos Políticos Raymond Aron. Se não for esquecido, será mais pela sua contribuição neste campo.

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