São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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O lugar da escola

LINO DE MACEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aprender na escola, ao menos até a 8ª série, é direito das crianças consagrado na Declaração dos Direitos Humanos, no Estatuto da Criança e do Adolescente e em nossa Constituição. A família e o Estado devem possibilitar essa aprendizagem. Na prática, porém, o que observamos são dificuldades de todos os lados.
As crianças, muitas vezes, não querem aprender naquela escola ou com aqueles professores e materiais de ensino que lhes são oferecidos. Às vezes, não querem aprender em escola alguma. Assim, o que na perspectiva social e adulta corresponde a um direito, na perspectiva individual e infantil corresponde a um dever desagradável e sem sentido.
Esses comentários, por diferentes fatores, valem para crianças ricas e pobres, crianças da cidade e do campo. Às vezes, a escola se reduz à comida, para matar a fome, a passar tempo, aos colegas e ao espaço para brincadeiras, combinar passeios e fazer outras coisas, positivas e negativas, em princípio, secundárias ao objetivo maior da escola: promover a educação instrumental e ensinar valores, normas e atitudes.
Escutemos as crianças
A escola, para elas, é um lugar de educação, mas não apenas no sentido restrito de educação escolar (aprender a ler, escrever, contar, raciocinar cientificamente e valorizar atitudes e normas sociais preconizadas pelo adultos), mas no sentido geral de educação, que outrora podíamos ter em outros espaços institucionais (casa, igreja, praça etc.).
Como a escola não reconhece essa educação informal que ocorre em seu espaço e a interpreta como competitiva e perturbadora para seu objetivo, o que verificamos na prática, muitas vezes, é um ambiente de guerra -em que todos perdem. E a escola fracassa, apesar de suas melhores intenções.
Consideremos as dificuldades do lado dos adultos que trabalham na escola: professores, diretores, coordenadores pedagógicos, merendeiras, zeladores, faxineiros. Muitos deles, sobretudo os professores, não querem mais trabalhar na escola, pelo menos nas condições que dispõem para isso.
Reclamam dos baixos salários. Sentem-se frustrados porque as crianças não aprendem e desrespeitam sua autoridade. Dizem não encontrar, apesar de buscar, soluções para seus problemas técnicos e de fundamentação teórica. Reclamam do pouco tempo para as muitas coisas que devem ensinar.
Consideremos, ainda que de forma resumida, os problemas na perspectiva dos políticos e dos técnicos que escolheram para desenvolver projetos educacionais na escola. As dificuldades não são menores. Os técnicos nem sempre conseguem convencer a população, os deputados e seus próprios superiores sobre a importância e a prioridade de seus projetos.
Essas pessoas, muitas vezes, são exigentes na cobrança dos resultados, mas muito contidas ou pouco participativas no oferecimento dos meios necessários para isso. A imprensa é crítica, exagerada, parcial e sensacionalista. Os técnicos gastam muito tempo explicando e divulgando resultados. E quando algo começa a dar certo são substituídos ou convocados para outras funções.
Consideremos, finalmente, algumas dificuldades na perspectiva dos pais. Uma delas pode ser ilustrada por tantas questões sem respostas simples e imediatas. Qual a melhor escola para seus filhos? A que pratica os mesmos valores que eles? A que é rigorosa, se eles se sentem permissivos? A que é permissiva, se eles se sentem rígidos? A que compensa problemas em casa? Será que os professores são bons e praticam a metodologia recomendável? Estudando nessa escola, o futuro profissional de seus filhos estará garantido? Por que cobram uma mensalidade tão cara e ao mesmo tempo fazem tantas indicações extras: natação, aulas de línguas, de computação, terapias diversas (psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia)? Se a escola é pública, será que seus filhos vão aprender nela? As greves dos professores por melhores salários continuarão? Devem ser a favor ou contra a aprovação automática? Como devem reagir às constantes faltas e substituições dos professores?
Professores queixam-se de que certos pais agem como se a escola fosse um lugar onde depositam seus filhos. Obviamente, querem que sejam bem cuidados e que aprendam, mas de preferência que sejam pouco perturbados para isso.
Por isso, quando o filho apresenta problemas de convivência ou de aprendizagem, a escola tem dificuldade em fazer os pais participarem da busca de solução. Faltam às reuniões, não aceitam modificar seus hábitos ou valores, querem uma mudança nos filhos, mas não aceitam ser envolvidos. Enfim, a escola não deveria ser mais uma fonte de problemas.
Projeto coletivo
Construí de propósito um quadro pessimista e queixoso da escola e de seu lugar na educação das crianças. Exagerei os aspectos negativos e valorizei a visão de um lugar vazio em que as diferentes pessoas envolvidas não se entendem, nem convergem para um mesmo ponto de vista.
Sei, por outro lado, que muitas crianças encontram alegria e aprendem nas escolas. Conheço profissionais dedicados e que dão o melhor de si para a educação. Tenho apreciado o grande número de bons projetos educacionais, no plano governamental, empresarial e de escolas particulares, que estão sendo realizados. Pelo negativo, quis marcar o positivo de todas essas iniciativas. Penso que estamos, no plano educacional, conhecendo o valor da interdependência, ou seja, de que apenas uma ação conjunta, solidária, possibilitará à escola realizar bem o papel que lhe foi indicado.
Sabemos, hoje, que para ir bem na vida, as crianças terão que ir bem na escola. Que as diferenças lembradas sejam um estímulo para a cooperação e o trabalho em equipe. Que as dificuldades acima apontadas sejam convertidas em problemas e questões interessantes. E que nos instiguem a encontrar boas respostas. As crianças e o futuro que elas representam para nossa humanidade serão nossa maior e melhor recompensa.

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