São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Disciplina na escola depende também dos limites da família

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O exemplo extremo da expulsão de um aluno pelo colégio revela como a questão da disciplina escolar é muito mais complexa do que a já ultrapassada divisão entre escolas tradicionais (ou "rígidas") e alternativas (ou "liberais").
Todas as escolas ouvidas pela Folha disseram que o afastamento de um aluno se deve, basicamente, à atitude da família, e não do próprio estudante.
"O principal motivo para expulsar um aluno é quando a gente sente que não tem o respaldo da família", afirma Myriam Tricate, diretora do Colégio Magno.
"O aluno é expulso quando não tem vínculo nenhum com a aprendizagem e a família não se compromete com o trabalho pedido pela coordenação", diz Mariângela Bueno, orientadora pedagógica no Colégio Santa Maria.
É muito raro isso ocorrer nas séries iniciais do ensino fundamental (1º grau). Em geral, os problemas disciplinares mais sérios ocorrem a partir da 5ª série e, especialmente, na 7ª (13 anos de idade). Mas o exemplo traz analogias importantes para todo tipo de trabalho que é desenvolvido pela escola.
"Quando você pega uma criança pequena, se os pais não estão seguros do trabalho da escola, dificilmente haverá uma entrega e, aí, a adaptação da criança fica muito complicada", afirma Stella Mercadante, diretora da Escola Experimental Vera Cruz.
No mesmo sentido, a diretora pedagógica da Escola da Vila, Sônia Barreira, afirma que "a questão da disciplina tem a ver com o processo de ensino. Os alunos às vezes não percebem que estão dentro de uma escola. Tem que ter disciplina para o trabalho".
"O que os pais estão fazendo é dizer 'se essa escola não educa, eu ponho em outra'. Mas a mudança não adianta. O filho assume que a culpa não é dele, é da escola", diz o psiquiatra Içami Tiba, consultor de uma série de escolas.
Terceirização
O fato é que a maioria das escolas reconhece estar enfrentando problemas com a questão da disciplina hoje e, em geral, localizam a origem disso na família.
"Está havendo uma terceirização. Os pais estão deixando tudo para a escola" diz Ayéres Brandão, coordenadora pedagógica do Colégio Galileu Galilei.
"A escola pode até não estar sabendo pôr limites", admite, "mas a família também não sabe."
"Eu fui educado ouvindo que a criança tem que calar a boca. No almoço não podia dar risada alta. Os pais saíram desse tipo de educação e partiram para o extremo oposto", diz Aércio Lombardi, diretor do Colégio Rousseau.
Myriam Tricate, do Magno, dá um exemplo ilustrativo. "O pai reclama que tem pipoqueiro na porta da escola, que as crianças comem pipoca todos os dias. Mas é o próprio pai que compra." Hoje, o Magno não deixa mais os pipoqueiros se instalarem na sua rua.
Outro exemplo, dado por uma diretora que pediu para não ser identificada. A escola só obriga a usar uniforme em dias de passeio. É a regra: vai passear, tem que estar de uniforme.
"A gente manda carta para os pais, avisa na saída, mas, no dia do passeio, aparece criança sem uniforme. Aí, se a gente diz que a criança não pode ir, eles acham que é rigidez da escola", conta essa diretora.
"Os pais estão bastante perdidos. Querem pôr limites, mas não têm certeza de como e muitos não conseguem", diz Cecília Perez, orientadora pedagógica da Escola Nova Lourenço Castanho.
"O pai de hoje tem menos claro o que pode e o que não pode. E às vezes isso é difícil, porque implica que você vai estar colocando os seus valores e os seus limites", afirma Elisabeth de Camargo Prado, orientadora educacional da Escola de Aplicação da USP.
"A maioria dos pais e mães trabalham fora, ficam muito tempo longe da criança e se sentem culpados. Aí, quando estão juntos, evitam o conflito, como forma de deixar aquele único tempo para o convívio. Só que os problemas aparecem mais tarde", diz Prado.
Hábitos da família
"Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, o papel da escola tem ficado cada vez mais importante. As crianças estão precisando dessa ajuda, de limites", afirma Celina Cattini, diretora no Colégio Visconde de Porto Seguro.
"Há alguns anos fizemos um estudo e descobrimos que muitas crianças não tinham mais o hábito em casa de comer sentados à mesa", conta a coordenadora, que organizou na escola esse tipo de hábito para comer lanches.
"Hoje a escola tem uma tarefa bem árdua, porque há uma indiferenciação entre o papel da escola e o da família", diz Manuela Anabuki, da Escola Carlitos.
"O papel da escola seria sistematizar a educação; ela é uma instituição, um espaço público, que deve assumir regras coletivas. Só que está tendo de assumir funções familiares".
"Até ensinar a escovar os dentes os pais estão achando que é papel da escola", diz a irmã Diane Cundiff, diretora do Santa Maria.
"Menor abandonado só é abandonado porque há adultos irresponsáveis. E isso nós temos em to das as classes sociais", afirma o diretor do Colégio Santo Américo, Moacir Pinheiro Guimarães.
Guimarães ressalta que é "difícil generalizar o problema da família", mas reconhece que a questão do "menor abandonado", como ele chama, "está aparecendo de forma mais clara".
(FR)

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