São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Presente para papai

MOACYR SCLIAR
QUERIDO PAPAI: AQUI VAI O SEU PRESENTE DE DIA DOS PAIS.

Gostaria de explicar como fiz esta escolha. Devo dizer que minha intenção inicial era lhe comprar um terno, um terno elegante. A mamãe sempre diz que você tem talento, e que só não progride na vida porque não sabe se promover, não se veste bem.
O problema é que eu não tinha dinheiro suficiente para comprar um terno. Resolvi, porém, que este obstáculo não me faria desistir. Afinal, como a mamãe sempre diz, o mundo é dos que ousam, dos que são arrojados, dos que têm visão. E eu acho que, apesar de minha pouca idade, tenho visão. Por exemplo: todos os dias acompanho a cotação da Bolsa de Valores. Que, como você sabe, vinha subindo como um foguete. Ocorreu-me então aplicar as minhas economias em ações.
Então apliquei meu dinheirinho, e no começo foi aquele deslumbramento. Eu não podia acreditar: cada vez tinha mais. E comecei a fazer planos. Quem sabe compraria não apenas um terno, mas dois ternos. Ou um guarda-roupa completo. Ou quem sabe até um carro. Mamãe sempre diz que é uma vergonha não ter carro.
No meio deste deslumbramento, a Bolsa começou a cair. E aí fiquei num dilema: tirar o dinheiro ou deixar? Contentar-me com o terno ou esperar pelo automóvel? Porque a minha esperança, como a de todos, era de que esta queda fosse transitória.
Mas não era. E aí, com o dinheiro, eu podia comprar cada vez menos. Terno já não dava, mas ainda dava para um paletó. Depois para o paletó já não dava, mas dava para uma calça - não muito elegante, mas enfim. Depois nem calça eu podia comprar - uma camisa, sim, desde que fosse camisa de manga curta, em promoção. Vi umas muito bonitas, mas - será que a Bolsa não voltaria a subir?
Para encurtar a história: o Dia dos Pais está chegando, e não posso lhe deixar sem presente. De modo que retirei o dinheiro que sobrava e comprei isto que aqui vai.
Uma cueca.
Não é das melhores, reconheço. E também não é nova, comprei numa loja de roupas usadas. Mas o dono me garantiu que tem muito pouco uso. O proprietário anterior faleceu logo depois da aquisição. Teve um infarto, o coitado. Ele também acompanhava a Bolsa.
Agora: levei a cueca em caráter condicional. Se você quiser, posso obter o dinheiro de volta. Se você quiser, podemos tentar a Bolsa de novo. Um dia ela terá de subir de novo. É o que eu pressinto. E você sabe que visão não me falta.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto sobre notícia publicada no jornal.

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