São Paulo, quinta-feira, 7 de agosto de 1997
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Falsa solução para a saúde

JÚLIO CÉSAR VOLTARELLI

Em resposta a reivindicações dos funcionários da saúde, o governo paulista está propondo redução da jornada de trabalho semanal e um abono uniforme de R$ 50,00 mensais. Este já foi até pago, enquanto a redução da jornada consta de lei complementar a ser apreciada pela Assembléia Legislativa.
Infelizmente, essas medidas poderão ter, ao contrário do pretendido, impacto negativo na caótica situação do sistema de saúde estadual. Em primeiro lugar, o abono pecuniário, por seu baixo valor e aplicação homogênea, beneficiará, prioritariamente, os servidores de baixa renda, não especializados.
Entretanto, as maiores necessidades e insatisfações situam-se, precisamente, nas atividades de nível universitário, como as de médicos, enfermeiros e técnicos especializados. É a carência desses profissionais que, frequentemente, leva à desativação de leitos hospitalares e de serviços ambulatoriais.
São eles os pretensamente beneficiados pela lei que reduz a jornada semanal (de 40 horas para 30 horas, de 30 para 20 horas e destas para 12 horas) e embute a possibilidade de estendê-la, na forma de plantões de até 12 horas para enfermeiros e de 24 horas para médicos e dentistas, além de ganhos na produção.
Em vez de recorrer a esta complicada aritmética, por que não se institui simplesmente um reajuste salarial que restaure a dignidade e preserve a dedicação do servidor às suas funções? Certamente para não contrariar a política do governo, consagrada em lei federal, de restringir investimentos em recursos humanos, mesmo em áreas vitais como educação, saúde e segurança, esta última recentemente sublevada.
As boas intenções da Secretaria da Saúde e dos sindicatos dos servidores, ao patrocinar a lei complementar, fatalmente se chocarão com as diretrizes restritivas das áreas econômica e administrativa do Estado, resultando em redução da jornada de trabalho sem os recursos adequados para sua extensão ou para a reposição de quadros.
Serão prejudicados os funcionários, que terão que buscar outros empregos, as instituições, impossibilitadas de manter suas escalas contínuas e, principalmente, a população, que não terá atendidas suas necessidades de saúde.
O salário bruto inicial de um médico assistente do Estado, em jornada de 20 horas semanais, é de R$ 490,00 mensais, e o enfermeiro, em jornada de 35 horas, recebe R$ 650,00. Além de ridículos, esses salários são bastante inferiores aos de outros órgãos públicos, sem falar na iniciativa privada. Não há tampouco plano de carreira.
O trabalho no sistema público de saúde, em condições profissionais e estruturais tão adversas, implica, necessariamente, considerável dose de altruísmo. Poucos servidores, entretanto, chegam ao extremo do professor João Carlos da Costa, o qual, mesmo aposentado, empresta, há sete anos, sua dedicação e competência à coordenação do ambulatório de Aids e à Comissão de Infecção Hospitalar do HC de Ribeirão Preto, sem nada receber e custeando suas próprias viagens de trabalho.
A solução definitiva do problema de recursos humanos da saúde brasileira seria, então, clonar milhares de cópias do dr. Costa e distribuí-las aos hospitais e ambulatórios dos quatro cantos do país. Entretanto, mesmo esse sonho de produzir serviço de alta qualidade a custo zero, tão ao gosto dos econocratas do poder, está fadado ao fracasso, pois não haverá clones suficientes para preencher as lacunas que se abrirão com a redução da jornada semanal.

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