São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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Berlim tenta voltar a ser a 'capital gay'

The Independent
de Londres

IMRE KARACS
EM BERLIM

Anos atrás, um prédio especial se erguia num terreno na curva do rio Spree. Era o Instituto de Pesquisas Sexuais, do médico Magnus Hirschfeld, dedicado ao estudo de um amor cujo nome apenas Berlim ousava dizer.
Nada resta hoje do homem ou do lugar, a não ser ecos distantes da era hedonista dos anos 20 e as cinzas do castigo imposto por outro grupo de homens vestidos de couro, uma década depois. Durante o intervalo entre a era do despotismo e a da aniquilação, esta foi a capital da liberdade esclarecida.
Agora a comunidade gay de Berlim, relegada ao segundo plano por lugares como San Francisco, quer pôr tudo em pratos limpos. A exposição "Adeus a Berlim? Cem Anos de Liberação Gay" foi aberta há dois meses na Academia de Artes, construção dos anos 60 próxima ao instituto pioneiro. Foi no apartamento de Hirschfeld que começou um século de emancipação. Em maio de 1897, ele e três amigos criaram a primeira organização do mundo a combater a intolerância sexual.
O "Comitê Científico-Humanitário" foi a reação ultrajada do grupo à prisão de Oscar Wilde, dois anos antes. Os primeiros meses foram marcados por divergências ideológicas.
Um dos nomes a abandonar o movimento já nos primórdios foi um certo Sigmund Freud, de Viena. Para ele, a homossexualidade, embora não fosse crime, era doença -diagnóstico inaceitável pelo homossexual Hirschfeld.
Em 1899 o comitê tinha influência para convencer a polícia de Berlim a não fazer blitze nos cafés frequentados por gays. Era uma época marcada por padrões de moralidade duplos. Autoridades muitas vezes ignoravam a homossexualidade porque homens poderosos eram gays. Os homens expostos como homossexuais tinham suas vidas arruinadas. Não chega a surpreender que o "outing" -exposição pública da condição homossexual de alguém- tenha sido inventado em Berlim.
O comitê editou livros, recolheu assinaturas e fez campanhas para acabar com o notório parágrafo 175 da Constituição, que proscrevia a homossexualidade. Não tiveram êxito, mas o amor entre homens acabou tolerado, na prática, na República de Weimar.
A capital alemã tornou-se a "Metrópole Gay", a "Berlim Imoral" (segundo o título de um guia alternativo à cidade publicado em 1930).
Em 1933, o instituto de Hirschfeld foi escolhido pelos nazistas para uma das primeiras expedições de revista e queima de livros. O comitê se exilou e, no ano seguinte, começou a guerra contra "portadores de desvios".
Cerca de 50 mil alemães foram condenados por homossexualismo. Muitos morreram em campos de concentração. Quem escapou foi defender a causa fora do Terceiro Reich e ajudou a criar organizações gays nos países de adoção.
As relações homossexuais consensuais entre adultos só foram legalizadas na ex-Alemanha Ocidental em 1973. No lado oriental do país, mais tarde ainda.
Hoje unificada, Berlim tenta compensar o tempo perdido, mas se vê superada nesse quesito, assim como em tantos outros. Os slogans e as táticas do movimento nascido às margens do rio Spree têm que ser reimportados dos EUA, desde as passeatas de "Orgulho Gay" até as técnicas de lobby lá desenvolvidas.
A prática do "outing" não foi retomada. Talvez os gays de Berlim tenham aprendido a lição no primeiro turno, há cem anos.

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