São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 1997
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A imprensa e a auto-regulação

LUÍS NASSIF

A arma da mídia para ferir reputações é a publicidade -a capacidade de disseminar ataques por milhares de leitores. A melhor arma que tem a mídia para conter seus Rambos deve ser também a publicidade.
Antes que algum deputado mais afoito, a pretexto de defender os direitos individuais, adote medidas que restrinjam de fato a liberdade de imprensa, está na hora de a mídia começar a pensar seriamente em um sistema de auto-regulação.
Recentemente, um canal a cabo passou documentário sobre o sistema de auto-regulação da imprensa, em um Estado norte-americano. Na impossibilidade de recuperar o documentário, posso cometer alguma imprecisão, mas o que importa é a lógica.
Criou-se um conselho de auto-regulação, composto por representantes dos grandes jornais da região e por membros da sociedade civil -não apenas personalidades, mas pessoas representativas do chamado leitor médio.
Os casos mais graves de desrespeito a direitos individuais são julgados rapidamente. Há plena possibilidade de defesa para o órgão acusado. Mas, constatado o erro, aplica-se a mais eficiente e severa das penas contra um órgão de imprensa: a publicidade. O jornal condenado será obrigado a publicar a retificação em sua primeira página. O mesmo fazem todos seus concorrentes que aderiram ao acordo. E o fazem com alarde, afetando o principal ativo de um jornal: sua credibilidade.
Esse sistema, por si, será suficiente para implantar definitivamente a responsabilidade nos meios de comunicação. Jornal que reincidir no erro será desmoralizado. Por conta dessa espada de Dâmocles, os jornais terão de se dedicar com afinco redobrado ao trabalho de coibir abusos e melhorar a qualidade.
Profissionais que incorrerem nesses abusos estarão, agora, não apenas fuzilando as vítimas (o que parece não comover muitos), como afetando diretamente a credibilidade do jornal no qual trabalha. E, obviamente, comprometendo sua carreira.
Haverá instrumentos mais efetivos facilitando a implantação de controles de qualidade. De fato, em inúmeros jornais o tema da ética e da qualidade tornou-se dominante. Mas, para a consolidação dos novos princípios, esbarra-se em vícios de cobertura acumulados ao longo dos últimos anos.
Esse conselho teria inúmeras vantagens sobre processos judiciários convencionais.
Primeiro, a maior agilidade. Depois, o conhecimento mais estreito da atividade jornalística, permitindo tratar com discernimento os fatos, de maneira a não se constituir em empecilho ao exercício do jornalismo crítico. Finalmente, sabendo separar a ofensa clara da mera suscetibilidade ferida.
Obviamente, sua maior ou menor credibilidade decorrerá da composição do conselho e da qualidade das decisões que tomar. Mas será a melhor maneira de afirmação do amadurecimento da imprensa, e de seu empenho em contribuir para um país melhor.
Ressalvas
É importante que, desde o começo, tenha-se clara a natureza da atividade jornalística. O jornal tem a obrigação de investigar denúncias e de divulgá-las, quando houver indícios consistentes.
Se for aguardar o fim de processos judiciais para denunciar os culpados, a imprensa perde sua principal função, a de prevenir erros e golpes contra o público, principalmente como fiscal das ações de governo.
Portanto, faz parte da natureza jornalística correr certa margem de risco -que não tem nada a ver com as práticas recentes, de fuzilamento sumário de indefesos.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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