São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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Sem terra ou sem emprego?

MIGUEL COLASUONNO

O Brasil não pode ignorar que o perfil da economia mundial mudou. A globalização está aí. E veio para ficar. O avanço tecnológico está aumentando a competitividade, mas também está reduzindo postos de trabalho, pois a automação é cada vez mais intensa e mais sofisticada, tanto nas empresas industriais quanto nas empresas rurais. Uma máquina cortadora de cana, hoje, em Ribeirão Preto, substitui a força de trabalho de 50 homens ou mais.
Então, o lavrador é uma profissão em extinção. Bancário, idem. São vítimas da competição exacerbada, que forma o novo perfil da economia. Está muito acima do poder dos governos. Escapa ao controle de qualquer governo, de qualquer país. Os EUA hoje, por exemplo, têm uma população rural que não passa de 3% ou 4% da PEA (População Economicamente Ativa). No Brasil, devemos estar em algo em torno de 23%, quando já tivemos até 80%. No Estado de São Paulo, não passa de 15%.
Essa queda brutal, ocorrida nas últimas décadas, gerou muito desemprego. Muitos trabalhadores rurais (ou lavradores) trocaram a enxada pela colher de pedreiro, procurando se ajustar à nova realidade econômica e social do país. Outros foram trabalhar em fábricas de automóveis, que ganharam muita expansão, engrossando, por exemplo, a enorme categoria dos metalúrgicos. São trabalhadores que passaram da 1ª Onda de Desenvolvimento para a 2ª Onda, embora com algum trauma, conforme a terminologia consagrada de Alvin Toffler.
Mas uma parcela desses lavradores não conseguiu superar a fase de transição. Ou por dificuldades intransponíveis ou até por acomodação, em alguns casos. São todos lavradores desempregados, que vivem o mesmo infortúnio de outros desempregados.
Nessa altura, foi fácil transformar aquele grupo de lavradores sem emprego em um Movimento dos Sem Terra. É uma questão de semântica.
Mas alguém precisa pôr a boca no trombone e desmistificar essa onda do MST. Suas lideranças, maliciosamente, passam à opinião pública, principalmente aos incautos, a imagem de que os sem-terra são ex-proprietários de terra que perderam seus bens e seu patrimônio por culpa do governo e/ou da sociedade. E que cabe a tais segmentos a obrigação, o dever de repor suas perdas. Quem não se dispôs, ainda, a refletir sobre a questão, fica realmente sensibilizado e, ao mesmo tempo, revoltado contra o governo, contra a sociedade como um todo.
Entretanto, na realidade, são vítimas do desemprego tecnológico. São lavradores desempregados. Merecem nosso respeito e nossa preocupação, mas como pessoas desempregadas.
Existe, conforme estatísticas da OIT (Organização Internacional do Trabalho), cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo desempregadas ou subempregadas. E não se tem notícia de invasão de propriedades privadas ou públicas. Em nenhuma parte do globo terrestre. Só no Brasil.
Os desempregados na Europa toda totalizam mais de 30 milhões de pessoas. Só na Alemanha, são 4 milhões. Aqui, os líderes do MST são recebidos em Brasília como combatentes de guerra, heróis da pátria ultrajada: defensores da soberania nacional...
Vamos tratar os integrantes do MST com o respeito e interesse que merecem todos os desempregados. Estão sem horizonte. Desesperançados.
Não podemos, entretanto, é permitir que essas pessoas sejam usadas e aproveitadas como bandeira de luta política e ideológica. Usadas por lideranças retrógradas para seus objetivos políticos. Lideranças que foram derrubadas juntamente com o Muro de Berlim, mas persistem.
São oportunistas que se voltam para o campo, porque perderam o espaço de luta que tinham na cidade, onde os sindicatos trabalhistas estão cada vez mais esvaziados, devido à força da globalização da economia.
Vamos desmistificar essa onda do MST.
Na realidade, são pessoas sem emprego e não sem terra, pois nunca tiveram terra. São vítimas do desemprego tecnológico, que merecem nossa compreensão, nossa preocupação e nosso interesse.

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