São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
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Mudança que não houve

JANIO DE FREITAS

Brasileiros gostam de reuniões tanto quanto os americanos. Em geral, com os mesmos resultados. Como provam duas reuniões, uma na semana passada e outra prevista para amanhã, que vão dar sequência a uma série que se estende já por uns dez anos, mas nem por isso resultante em mais do que outras reuniões e nenhuma solução para o problema que as provoca. E recai sobre nós outros.
Um dos fenômenos políticos brasileiros, ao qual se deve grande parte da degradação da vida nas cidades, é a passividade acovardada dos governadores estaduais e dos prefeitos diante da apropriação, pelos sucessivos governos federais, de recursos financeiros e poderes pertencentes aos Estados e aos municípios.
Nisso está mais uma das características do regime militar que transpuseram a instauração do regime civil, perdurando nos 12 anos desde então não só como vício, decorrente do longo desaprendizado político e institucional, mas, pior ainda, como norma incompatível com o regime democrático.
Na semana passada, o Fórum dos Prefeitos reuniu-se para discutir, sobretudo, a perda, estimada em mais de R$ 3 bilhões, que a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal causará aos municípios. Esse FEF é aquele que, sob o nome de Fundo de Emergência Social, foi usado pela Presidência da República até para decoração e jantares do Alvorada, porém nunca para o social, nem mesmo em situação de emergência. Trata-se da terceira prorrogação do imposto.
O mal infligido aos já magros cofres municipais não é recente, portanto. Nem o Fórum o discutiu agora pela primeira vez. Neste como no ano passado, foram feitos planos de incitação aos parlamentares para rejeitar a prorrogação, outros planos para exposições públicas dos danos causados aos municípios e seus cidadãos pela perda com o FEF, mais planos, ainda, para mobilizações populares de apoio à pressão dos prefeitos no Congresso. O temor de represálias, que os líderes dos partidos governistas disseminam entre os prefeitos, esvazia todos os planos.
Vitimados pelas garfadas federais, os governadores não são mais ativos nem mais passivos do que os prefeitos. Tanto que está prevista para amanhã, na Câmara dos Deputados, uma reunião de secretários da Fazenda. Vão representar os respectivos governadores na discussão, com parlamentares, de providências contra uma grave perda imposta a Estados exportadores.
Quem paga pelas concessões de estímulo à exportação, feitas por uma tal lei Kandir, não é o governo federal. São os Estados, porque as concessões federais consistem em restringir os impostos estaduais. Diminuídas as arrecadações, o governo federal comprometeu-se a ressarcir os Estados, parceladamente. Mas Antonio Kandir, em atitude que nada tem de surpreendente, não cumpre o compromisso.
Os governadores reagiram, como convém aos detentores de tanta responsabilidade. Quer dizer, reuniram-se. E concordaram em um ato enérgico: dizer ao ministro e ao presidente que seus Estados estão precisando, alguns desesperadamente, da parcela não quitada. Não adiantou, então reúnem-se os secretários da Fazenda, como fazem, com frequência, para discutir (em vão) providências (vãs) contra as mordidas (eficazes) do governo federal.
Aí estão dois exemplos de medidas que os governadores e os prefeitos, muito antes de efetivadas, souberam acarretar perdas com graves consequências para os já decadentes Estados e municípios. Engoliram-nas por temor, por carreirismo, por subserviência. E não fazem, nem depois, a defesa verdadeira das sociedades que governam. Por subserviência, por carreirismo, por temor. A exceção, nos últimos anos, ficou por conta de Mário Covas no caso Banespa -resistiu e fez São Paulo ganhar o que nem a soma dos outros Estados recebeu, até agora, do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Governadores e prefeitos, os atuais e quase todos os seus antecessores de 85 para cá, distinguem-se muito pouco dos testas-de-ferro nomeados pela ditadura.

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