São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997 |
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Fúria coletiva contra subjetivismo de juízes
MARILENE FELINTO
Difícil tomar como paradigma do "correto" a leitura que faz da lei a juíza de Brasília Sandra De Santis Mello. A juíza abrandou o crime ao qualificá-lo como "lesão corporal seguida de morte" e não como homicídio qualificado ou triplamente qualificado, como querem alguns. Homicídio triplamente qualificado significa: por motivo torpe, sem nenhuma possibilidade de defesa (a vítima estava dormindo) e por meio cruel (utilização de fogo). A juíza entendeu que os jovens que vagabundavam na noite de Brasília e resolveram atiçar fogo no índio que dormia em um banco de ponto de ônibus não tiveram a intenção de matar. Que foi tudo um grande acidente da inconsciência dos vagabundos filhos da classe média e alta. A decisão da juíza baseia-se na argumentação de que a ignorância da lei não pode prejudicar a justiça e que a sociedade precisa controlar as paixões para sujeitá-las à lei. Ou seja: que ignorantes somos nós, a sociedade apaixonada, que desconhece a lei. Não bastasse a argumentação falaciosa e a capciosa interpretação da lei, a decisão da juíza tem atraído outro tipo de suspeita que repercute na imprensa. A juíza é mulher de Marco Aurélio de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e primo do ex-presidente Fernando Collor de Mello. A atuação do ministro Marco Aurélio de Mello no STF é marcada pela antipatia da sociedade. No ano passado, por exemplo, ele absolveu da acusação de estupro o encanador mineiro Márcio Luiz de Carvalho, que fez sexo com uma menina de 12 anos. Para justificar seu voto, o ministro Mello afirmou que "nos dias de hoje não há crianças, mas moças de 12 anos", sugerindo que a menina poderia ter se insinuado ou aceitado a relação sexual. Sobre a decisão da juíza Sandra Mello, um leitor me mandou um e-mail: "Brincadeira de mau gosto essa decisão da esposa do primo do ex-presidente Fernando Collor. Está certo que a mulher do ministro Marco Aurélio 'voto vencido' de Mello deve ter se apiedado dos jovens acusados pelo crime hediondo, mas teria a mesma misericórdia se não tivessem eles a mesma origem social? Até quando teremos que engolir esses sapos, além de outros absurdos, de todo o corporativismo da magistratura e sua resistência a qualquer controle externo da parte da sociedade civil?" É a fúria coletiva contra o subjetivismo dos juízes, ou contra um sistema que faculta aos juízes poderes arbitrários. Numa outra linha interpretativa, a juíza poderia ter enxergado o efeito civilizatório que teria a severa punição dos assassinos contra a barbárie de uma agressividade primitiva e de um impulso de destruição inaceitáveis para humanos. E-mail mfelinto@uol.com.br Texto Anterior: Ar piora e setembro deve ter rodízio Próximo Texto: A reciclagem dará certo Índice |
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