São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CPI: um relatório anunciado

ROBERTO REQUIÃO

Fez-se o que era justo e ético. A CPI dos Precatórios não acabou em pizza. As manobras que pretendiam desfigurar o relatório foram definitivamente sepultadas. Sendo assim, todos os administradores, funcionários e instituições financeiras envolvidos em transações irregulares com títulos públicos ficam no relatório. Com os seus nomes e prontuários. Não por birra ou teimosia do relator, e sim porque as conclusões expressam a verdade dos fatos. E não há como distorcer ou amenizar o que os fatos revelaram.
Fiz o que era justo e ético. Fiz o que você, brasileiro, faria, caso fosse o relator. Fiz um relatório peemedebista. Do verdadeiro PMDB. Do PMDB original, autêntico, guerreiro, destemido. Aquele PMDB que ainda resiste à sua descaracterização.
Foram as bases do PMDB e seus quadros orgânicos, que não se dobraram aos afagos do poder ou ao convívio com os poderosos, que me serviram de inspiração na relatoria da CPI.
Às bases do PMDB, que ainda representam com legitimidade e pureza os anseios dos brasileiros, dedico o relatório. As mesmas bases que, ao longo dos trabalhos da CPI, deram-me forte apoio e estímulo. Ainda que correligionários e amigos fossem citados nas irregularidades. Ainda que doesse citar nomes de antigos combatentes da oposição à ditadura militar.
Para quem vê de fora o PMDB, para quem o flagra, com diária frequência, em atitudes e decisões nem sempre defensáveis, essa homenagem talvez soe extemporânea. Não é. O corte que fizemos no corpo do próprio partido, no relatório, foi realizado com um bisturi afiado na consciência da militância.
Se uma corrente inclina-se a desfigurar-se, é ainda considerável o número daqueles que lutam por resgatar as bandeiras originais. E, com elas, a postura ética, forte, dura que marcou nosso nascimento e que por tanto tempo nos arrebatou e distinguiu.
Sei -e como sei- que, para os pragmáticos, falar em resgatar o PMDB original ressoa com uma proposta inoportuna, fora do tempo, ultrapassada.
Mas está ultrapassada a luta pela construção de uma sociedade justa? A solidariedade (ativa, não tão-somente conceitual e retórica) com o povo e suas demandas é um princípio também ultrapassado?
Excedeu-se o tempo da luta pela elaboração e prática de programas que, verdadeiramente, impulsionem o Brasil ao desenvolvimento, com a justa distribuição dos resultados do progresso? Foram-se os dias de brigar pela reforma agrária? Contra o desemprego? Contra o sucateamento na saúde, na educação, na segurança e na previdência pública? Acabou-se o tempo de gritar que o enfraquecimento do Estado corresponde ao exato aumento do apetite do grande capital?
A máxima de Ulysses, "não roubar, não deixar roubar", também foi arquivada pela siamesa combinação do pragmatismo com a dita "modernidade"? Dêem-nos um ponto de apoio que moveremos o mundo. Foi com essa determinação que o PMDB nasceu. E, dado o ponto de apoio, alavancamos a mais heróica resistência contra o arbítrio e em favor da justiça, da fraternidade e da ética.
O ponto de apoio, em que pese a desfiguração, não se desfez. Princípios não se desfazem. E esses princípios estão ainda bem vivos, ardentes nas bases não corrompidas pelo empreguismo, pelo clientelismo, pela abulia.
E não estamos sós. A essa fatia autêntica e destemida do PMDB somam-se outros partidos e tendências que perseguem o mesmo propósito. É também a eles que dedico o relatório. Foi também sob inspiração deles que trabalhamos.
Valeu a pena. Valeu a pena fazer um relatório de resistência, de combate. Valeu a pena aferrar-se aos princípios. Valeu a luta pela moralidade, pela ética, pela defesa do emprego honesto do dinheiro público. Porque o nosso Brasil vale a pena.

Texto Anterior: Salário, inflação e pobreza
Próximo Texto: A sinfonia do sem-terra com o sem-mídia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.