São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Privatizações, dividendos e câmbio

CARLOS IVAN SIMONSEN LEAL

O plano de estabilização econômica chega ao fim do seu terceiro ano sujeito a críticas de que o país estaria numa armadilha de crescimento: não podemos crescer o que deveríamos, porque, se o fizermos, o déficit comercial explode e a âncora cambial não mais seria sustentável.
Por outro lado, não existe alarme quanto à possibilidade de o Brasil seguir, a curto prazo, o rumo da Tailândia e de outros países emergentes, sobretudo do Sudeste Asiático.
De fato, com US$ 63 bilhões de reservas e com inúmeras estatais ainda por privatizar, espera-se que, a menos que ocorra uma abrupta mudança da liquidez internacional, ou um erro grosseiro das nossas autoridades, não haja, nos próximos tempos, nenhum tumulto maior no mercado de câmbio. Além do mais, a crise tailandesa se deve muito também a fatores internos que não se repetem aqui.
Que o país só crescerá, de maneira estável e a um nível compatível com o crescimento da população economicamente ativa, após um ajuste fiscal que recupere a capacidade de poupança interna é uma verdade insofismável.
Contudo, a consecução disso é, neste instante, muito difícil: o ano de 1998 é de eleição presidencial, e o déficit público ainda não está numa magnitude que permita iniciar o ajuste sem um grande custo social (alega-se que o momento ideal seria provavelmente entre o fim de 1998 e o início de 1999).
Nesse caso, parece ao governo que a melhor aposta é tentar rolar a situação atual, garantindo ao máximo o "status quo", até o momento em que essa mudança seja possível.
Assim, é fundamental saber como se vão financiar o cavalar déficit em conta corrente de US$ 35 bilhões em 97 e um provavelmente maior em 98.
Basicamente, existem duas formas para conseguir isso: "hot money", isto é, o dinheiro esperto que vem se aproveitar do diferencial das taxas de juros internas vis-à-vis as externas, e investimento direto.
A primeira maneira já foi exaustivamente usada, a dívida pública interna cresceu enormemente, e, a menos que se deseje arriscar e comprometer irremediavelmente o lado fiscal, a sua aplicabilidade é hoje bem menor do que em 94/95/96. Quanto à segunda, a forma de atrair investimentos diretos em tão curto prazo e em volume tão grande é privatizar as utilidades públicas.
Postos esses fatos, dado que as condições que determinam o curto prazo estão fixadas, cumpre analisar o que essas maciças privatizações farão no futuro.
O primeiro resultado é óbvio: a remessa de dividendos deve aumentar, pois ninguém vai comprar uma empresa sem a expectativa de se remunerar.
O segundo tem a ver com o fato de que as empresas privatizadas, na maior parte dos casos, requerem maciços investimentos, que em parte serão financiados com dívida.
Com os juros internacionais estando mais baixos que os juros internos, os empréstimos serão tomados lá fora. Isto é, a remessa de juros deve aumentar, mesmo que as taxas fiquem estáveis. Esses dois efeitos implicam que ficará mais difícil equilibrar o balanço de pagamentos sem uma mudança no câmbio, isto é, que a taxa real de câmbio de equilíbrio aumentará.
Pode-se argumentar que esse efeito ainda não é relevante. Contudo, em geral as remessas de dividendos e juros já pesam bastante nas nossas contas. Pode-se dizer que mais importantes sejam outros fatores, tais como as possíveis mudanças na liquidez internacional.
Porém, mesmo usando esses argumentos, o que se constata é que, mais uma vez, há o perigo de que estejamos tomando um anestésico e que a operação tarde tanto. E, desta vez, se nada for feito, o custo pode ser alto.
Privatizar é ótimo, pois aumenta a eficiência da economia. Privatizar monopólios nas áreas de serviços de utilidade pública, sem um marco regulatório já bem estabelecido e privilegiando a geração de caixa na venda, afeta a futura estruturação dos mercados. Portanto, deve ser feito com cuidado.
O aumento das remessas de dividendos, dos juros e essas distorções que, potencialmente, podem estar sendo introduzidas terão longo efeito sobre as nossas possibilidades de crescimento a médio e longo prazos.

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