São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Economia do Mercosul deixa muito a desejar

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os fantasmas de antigas disputas militares entre Brasil e Argentina voltaram, depois que o presidente Menem resolveu desafiar as pretensões do Brasil a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.
Os especialistas em geopolítica alertam: o confronto entre Argentina e Brasil serviria apenas aos interesses dos EUA. Afinal, o Mercosul tem sido alvo de muitas críticas entre burocratas e técnicos dos EUA e mesmo de organismos multilaterais, como o Banco Mundial.
Mas, se as coordenadas políticas do Mercosul parecem hoje relativamente claras, o mesmo não vale para os aspectos econômicos. E o projeto de integração está num impasse que é fruto também de deficiências econômicas internas.
O impasse é bem resumido por Pedro Motta Veiga, da Funcex (Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior) e novo presidente da Sociedade Brasileira de Estudos sobre Empresas Multinacionais e Globalização (Sobeet). No 4º Fórum Mercosul-Nafta, realizado na USP (Universidade de São Paulo) nos dias 21 e 22, Veiga disse que o Mercosul andou bem quando as condições econômicas eram adversas (1991-1994), mas empacou justo quando o horizonte clareou (depois do Plano Real).
O especialista alerta ainda para outra limitação: o padrão de comércio entre Brasil e Argentina ficou praticamente inalterado. Ou seja, aumentaram os fluxos de comércio, mas não houve grandes mudanças nos tipos de produtos exportados e importados.
A grande exceção é um resultado menos do Mercosul e mais de uma política industrial altamente protecionista, aliás contestada na Organização Mundial do Comércio (OMC): o setor automobilístico.
Visão externa
A falta de progresso qualitativo e o marasmo depois da estabilização podem estar relacionados.
Uma pista talvez sejam as conclusões de um seminário realizado em fevereiro, na Universidade da Califórnia, para comparar as experiências da América Latina e da Ásia em questões de integração. O relatório final acaba de ser publicado e está disponível na Internet (http://orpheus.ucsd.edu/las/prrpweb.htm).
"Brasilianistas" como Albert Fishlow, dos EUA, ou Kotaro Horisaka, do Japão, dizem que a integração na Ásia é "market-led" (conduzida pelo mercado), mas na América Latina é sempre "policy-led" (conduzida sobretudo pelos governos e políticos).
Sayuri Kuwabara, pesquisadora do "Japan Center for International Finance", de Tóquio, vai mais longe. Ela diz que os investimentos no Sudeste Asiático foram principalmente na produção para exportações, enquanto na América Latina o investimento mal começou a decolar, predominando as aplicações financeiras e a privatização.
O resultado prático é que a integração asiática ocorre informalmente, sem acordos pretensiosos, com ampla flexibilidade. A atual crise tem como pano de fundo fortes máquinas exportadoras que, realinhado o câmbio, voltarão a disputar os mercados externos.
Na América Latina a negociação formal tem precedência e a liberalização comercial avança antes e mais rápido que os investimentos.
A conclusão é simples: sejam quais forem os frutos políticos do atual impasse no Mercosul, na economia este é um projeto que ainda deixa muito a desejar.

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