São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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A paisagem descuidada

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cidade não é apenas um lugar no espaço, mas um território de possibilidades: a chance para o afeto, o terror, o amor, o descontrole, a violência e, talvez, um novo humanismo, segundo a filósofa Olgária Matos e o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, que se encontraram no último dia 29 de julho, na série "Diálogos Impertinentes".
Durante duas horas, Olgária e Wilheim debateram o tema "O Urbano" no teatro da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), com a mediação do poeta Nelson Ascher, articulista da Folha, e de Mário Sérgio Cortela, professor do departamento de teologia e ciências da religião da PUC-SP.
Em uma conversa pontuada mais pela harmonia do que por desacordos, os convidados, em suas falas, mostraram que ver a cidade, pensá-la ou estudá-la significa mergulhar no que o homem pensa de si mesmo. E, também, no modo que o ser humano escolheu para relacionar-se com aquele que vive ao seu lado. O urbano implica, necessariamente, um vizinho.
"O problema da urbanidade e da afabilidade é um problema do trato entre as pessoas", disse Wilheim. Para ele, "a cidade é, antes de mais nada, a concretude física de um ponto de encontro. Dizer que a cidade, ao passar de um certo tamanho, fica fatalmente ruim... eu não creio nisso".
Para Olgária, essa afabilidade realmente existe, mas parece também enfrentar agora um momento de turbulência: "São Paulo está se tornando uma cidade cada vez mais difícil de ser amada. Por todos os planos de desorganização, de violência, de descuido com a paisagem, o que se vê é um desrespeito com o humano", disse.
Um desrespeito que não seria apenas uma consequência direta de um aumento -ou inchaço- populacional, o que a aproxima de Wilheim: "Há uma perda da noção do que é público, e uma desconsideração total com aquilo que é básico do humano, que é a educação formadora. Então, a dificuldade de viver hoje em grandes centros vem da falência do sistema educacional", disse Olgária.
Relação amorosa
E quais as outras e novas relações surgidas a partir dessas dificuldades? Entre tantas, uma se destaca. A "relação amorosa" entre o homem e um dos mais típicos objetos da vida urbana: os automóveis.
"Para um cidadão, ter um automóvel significa liberdade. É lá dentro que ele tem música, ele tem vento; ele namora lá dentro e certamente alguns fazem filhos lá. O automóvel é mais que transporte", disse Wilheim.
Olgária, professora do departamento de filosofia da USP, se distancia um pouco desse tom positivo em relação aos homens e máquinas. Segundo ela, o modo como vivemos hoje será lembrado, no futuro, como uma "nova Idade Média".
"Não como uma Idade Média que foi um período civilizador da história da humanidade, com o estudo dos monges, da filosofia que se estudava. Será a Idade Média no pior sentido. O que a nossa geração vai transmitir às gerações futuras? O automóvel. Isso é muito pobre."

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