São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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Após rebeliões, país tem surto de projetos para mudar polícias

MARIO CESAR CARVALHO

MARIO CESAR CARVALHO; PAULO MOTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O tiro que atingiu o comandante da Polícia Militar do Ceará, o bangue-bangue em Belo Horizonte e os milhares de policiais que quebraram a hierarquia e desafiaram seus comandos em protestos pelo país acabaram gerando um surto de projetos de reformas das polícias brasileiras (veja quadro).
Há um consenso no diagnóstico: o modelo de polícia criado pelo regime militar em 1969 fracassou. O único trunfo da polícia que permanecia intocado, a coesão disciplinar e o respeito à hierarquia, foi por água abaixo com as rebeliões.
As divergências sobre o modelo a ser adotado não são poucas:
- A polícia preventiva deve ter caráter militar, como é hoje, ou ser transformada em entidade civil?
- As Polícias Militar e Civil devem ser unificadas?
- Cada Estado cria a polícia que quiser ou a Constituição define o que pode e o que não pode?
O ministro da Justiça, Iris Rezende, acha que a Constituição deve definir só as linhas gerais da segurança e cada Estado criar a polícia que quiser. Sua proposta não é totalmente endossada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo o general Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar.
O resultado da divergência é que o governo FHC ainda não definiu uma proposta oficial.
Um grupo de estudos criado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos apresentou sugestões de alcance limitado, como financiar casas para PMs, incentivar a criação de fundos de pensão e unificar os sistemas de comunicação.
A mais abrangente das propostas é a de criação de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública. No entanto, já existe hoje, no Ministério da Justiça, a Secretaria de Planejamento das Ações Nacionais de Segurança Pública.
Nos Estados, há propostas mais minuciosas. José Afonso da Silva, secretário da Segurança Pública de São Paulo, defende que o policiamento preventivo e a atividade militar são incompatíveis: "A polícia não deve ser militar porque não foi feita para eliminar inimigos, mas para prender. A característica militar gera violência".
Se a proposta do secretário fosse colocada em prática, policiais civis uniformizados cuidariam do patrulhamento das ruas, como nos Estados Unidos e Reino Unido.
A PM seria reduzida de 80 mil homens para 33 mil e cuidaria do policiamento de choque e de eventos como jogos de futebol.
Na proposta do Ilanud, instituto da ONU (Organização das Nações Unidas) que trata da segurança, a redução de PMs é mais drástica. O contingente cairia para de 3 mil a 5 mil no caso paulista.
O governador do Ceará, Tasso Jereissati, é mais cauteloso. Sua proposta de desmilitarização é restrita a dois setores da PM -a polícia de trânsito e a de turistas. Preocupado com a penúria da polícia no Nordeste, Jereissati defende a criação de um fundo de financiamento que receberia recursos do BNDES.
Os governos de São Paulo e Ceará tentam avançar a discussão sobre unificação com ações práticas. Nos dois Estados, há tentativas de fazer com que as duas polícias atuem juntas. Não tem sido fácil.
Como São Paulo, o Ceará colocou a Secretaria da Segurança comandando as duas polícias. Mas, na prática, elas só se unem em operações especiais, como a que reduziu a criminalidade na zona sul de São Paulo. No dia-a-dia, mal se falam.
"Unificação não acontece por decreto. É um processo lento", diz o general Cândido Freire, secretário cearense da Segurança.
Essa formação cultural que dificulta a fusão seria responsável pelos vícios da PM, a violência e o arbítrio, na avaliação de Oscar Vieira, coordenador do Ilanud.
"O aquartelamento, o código disciplinar arbitrário, o fato de poder ser preso sem ordem judicial fazem com que o policial viva em um outro mundo que não é o mundo do direito", diz Vieira.
Como vive num universo paralelo, o policial o reproduz no trato com a sociedade. "Se o PM não é respeitado pelo capitão, por que ele teria de respeitar um favelado preto e pobre? Assim pensa o policial", diz Vieira. É isso que precisa mudar, afirma. Não importa qual seja o rótulo -militar ou não.

Colaborou PAULO MOTA, da Agência Folha, em Fortaleza

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