São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
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Réquiem para Requião

SAULO RAMOS

O ilustre senador Bernardo Cabral, presidente da extinta CPI dos Precatórios e da atual Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, continua o mesmo. Aquilo que ele fez com a senhora Zélia Cardoso de Mello, quando ambos eram ministros do saudoso governo Collor, está, agora, repetindo com o seu colega, o não menos ilustre senador Roberto Requião. Isto é, dançando bolero.
Na CPI, o relatório de Requião foi, em muitos tópicos, reprovado pela maioria dos senadores. Cabral, o presidente, viajou, foi ao dentista, e decidiu-se enviar a questão para a Comissão de Constituição e Justiça, presidida por ele também. Ali Josaphat Marinho disse que valia o relatório de Requião. Onde se viu CPI sem relatório? Em gesto heróico, o relator, enternecido, dedicou seu trabalho ao PMDB.
Agora, a Comissão do Cabral voltou à cena: aprovou, por unanimidade, um projeto de lei, de autoria de Requião, que regula o direito de resposta contra jornais, rádios e televisões. A proposta pretende ser transformada em lei autônoma, eliminando a hipótese de uma lei geral de imprensa.
É enorme, gritante, ridícula a contradição da Comissão de Constituição e Justiça, e ofensiva ao próprio Senado, pois aquela alta casa legislativa aprovou o projeto de Lei de Imprensa, que inclui, em um de seus capítulos, o direito de resposta. Por que renegá-lo agora, quando está quase aprovado na Câmara e, com alterações, voltará ao Senado?
Esse projeto, aprovado no Senado, foi proposto pelo senador Josaphat Marinho, membro da Comissão do Cabral e autor do carimbo que deu validade ao relatório do Requião na CPI. Merecia maior respeito, pois a solução Requião, rima pobre, aniquila todo o trabalho do Senado e da Câmara de Deputados durante anos e anos.
Além disso, o projeto, aprovado agora pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, é de uma indigência intelectual de dar dó.
Além de repetir preceitos da velha Lei de Imprensa, outorgada pela ditadura militar, não absorve e, portanto, não concretiza os comandos da Constituição de 1988, que consagrou, e bem, o direito de resposta como um dos direitos individuais tutelados pelas garantias fundamentais. Estabelece a proposta multas diárias para a não-publicação ou transmissão da resposta, qualquer que seja. As multas poderão crescer infinitamente.
O direito de resposta, hoje garantia fundamental, há de ser regulado adequadamente, proporcional ao agravo; logo, precisa haver agravo (não de instrumento), mas potencialidade ofensiva. Não pode se transformar em veículo de bate-boca, de troca-troca de desaforos e, sobretudo, de intimidação da liberdade de imprensa.
Por exemplo: a uma notícia que informar ter sido o senador Requião, quando governador do Paraná, processado pela magistratura e pelo Tribunal de Justiça daquele Estado e, por duas vezes, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, caberá a resposta para esclarecer que as condenações foram uma em ação direta de inconstitucionalidade, portanto, contra a lei em tese, e outra em mandado de segurança, contra decreto do Executivo que lesava direitos do Judiciário. Não houve, portanto, condenação pessoal do réu.
Mas a notícia que informar ter o Tribunal Eleitoral do Paraná cassado o mandato do senador Roberto Requião e que ele continua no Senado em virtude de recurso, com efeito suspensivo, para o TSE, que ainda não julgou o apelo, não cabe resposta, pois nada existe no fato a ser corrigido.
Os rápidos meses de glória e publicidade em que o senador paranaense vedetou pelos noticiários, graças aos escândalos apurados pela CPI dos Precatórios, alguns indicando crimes graves, outros recheados de evidentes invencionices de baixa politicalha, não lhe dão o direito de pretender, agora, pontificar em tudo, muito menos em legislação de alta relevância e profunda responsabilidade relativas às liberdades de informação e de opinião.
Nem tudo se perde, porém. Se os membros da Comissão de Constituição e Justiça desejam uma lei autônoma para o exercício do direito de resposta, que não o façam negando o projeto de Lei de Imprensa, originário do próprio Senado, mas que regulem o direito de resposta aos cidadãos inocentes que, de cambulhada, são misturados nas acusações sensacionalistas das Comissões Parlamentares de Inquérito e, por desvario técnico, ouvidos como testemunhas...
Prestariam ao país melhor serviço e evitariam essa desagradável tarefa de dedicar-se ao senador Requião, precisamente quando se prepara para colher, nos meios partidários, políticos e eleitorais, os frutos do seu festival dos precatórios, este "requiem aeternam dona eis".

José Saulo Pereira Ramos, 67, é advogado em São Paulo. Foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney).

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