São Paulo, sábado, 30 de agosto de 1997
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Assentados têm de deixar 'a casa do pai', diz Incra

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor de Assentamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Aécio Gomes de Matos, afirmou que a concessão de um crédito mínimo de R$ 19.080 aos assentados é um "privilégio".
Segundo ele, a concessão do benefício tem de ter "limites". "E a reforma das favelas? E os sem-teto? Esse dinheiro tem de ter um limite. Eles (os assentados) vão ter de abdicar do paternalismo do Estado, sair da casa do pai", declarou.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Folha.
(PZ)
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Folha - Com um crédito mínimo de R$ 19.080 junto ao Incra e mais facilidades para o pagamento das dívidas, os assentados podem ser considerados uma parcela privilegiada da população?
Aécio Gomes de Matos - Os assentados têm uma situação privilegiada em relação à média dos trabalhadores brasileiros, que têm vida precária.
Folha - O fato de somente os assentados receberem essas facilidades não pode parecer injustiça?
Matos - Estamos fazendo uma pesquisa, junto com o IICA (Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola, organização ligada à ONU, Organização das Nações Unidas), que demonstra que em muitos municípios existe uma animosidade dos agricultores familiares em relação aos assentados.
Folha - Por quê?
Matos - Porque, para os agricultores, os assentados têm mais condições, são mais beneficiados e têm acesso a recursos que eles (agricultores) não têm. Essas facilidades todas criam ciúme.
Folha - E eles têm razão?
Matos - A reforma agrária realmente deixa os assentados em uma situação um pouco melhor do que a da agricultura familiar.
Folha - De que o governo precisa para alterar esses 144 critérios?
Matos - Existem alguns pontos a definir. Hoje em dia, pretende-se cobrar R$ 10 mil pela terra, com prazo de pagamento de dez anos e mais dois de carência. Veja o caso do Pontal do Paranapanema, onde a média do preço da terra é R$ 25 mil. Sem juros, um assentado teria de dar dois salários mínimos por mês para poder pagar. Além disso, tem de pagar ainda os recursos do Procera. Não dá. Nossa idéia é de cobrar em 20, 25 anos e também subsidiar parte da terra. Mas, se não sabemos quanto cobrar, como podemos emitir os carnês?
Folha - O que falta para que isso tudo seja definido?
Matos - A reforma agrária é um processo amplo de negociação. Tem de ter haver consenso no governo e no CMN (Conselho Monetário Nacional). Vamos também discutir isso com os movimentos sociais.
Folha - Quem tem interesse em manter os critérios como estão?
Matos - Os assentados, que não querem perder o privilégio de ter o Incra como provedor. Ainda que seja um pai fraco, é melhor do que nada. Afinal, o cara tem o Incra para se queixar e pedir recursos. Mas e a reforma de favelas? E os sem-teto? Esse dinheiro tem de ter um limite. Eles têm de pensar: "Já tirei o que podia, se quiser mais, vou buscar em outro lugar". O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) oferece créditos em condições normais para agricultores familiares. Eles vão ter de abdicar do paternalismo, sair da casa do pai.
Folha - Mas os assentados não têm força política para pressionar para que os critérios de emancipação permaneçam como estão?
Matos - Têm força política suficiente para ser uma ameaça latente a qualquer mudança nos critérios. Além disso, o complexo de Édipo nunca é só do filho. O pai sempre contribui.
Folha - Nesse caso, como?
Matos - O Incra acaba assumindo o paternalismo como extensão de suas funções. É uma relação de poder. Há falta de interesse em mudar. Sempre se pensa: "Coitadinhos, ainda precisam da gente". Sempre achamos que nossos filhos merecem mais atenção do que os filhos dos outros.
Folha - Quais são os critérios indispensáveis para que um assentamento possa se emancipar?
Matos - Precisamos oferecer as mínimas condições em estradas para que elas permitam o escoamento da produção, água potável, energia elétrica ou eletrificação rural nas áreas mais distantes e acesso aos créditos para habitação e para a produção.
Folha - Escolas e postos de saúde não são necessários?
Matos - Não dentro dos assentamentos. Temos de oferecer aos assentados as mesmas condições que são oferecidas aos agricultores familiares. A média desses agricultores pode ter acesso a escola e postos de saúde em cidades próximas. O assentado também, desde que o deslocamento seja garantido. Essas condições todas estabelecidas pelos 144 critérios não existem nem em bairros da periferia de cidades como São Paulo.

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