São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 1997
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Colheitas e economistas de porta do inferno

ALOYSIO BIONDI

O El Niño está aí, com suas diabruras, trazendo ondas de calor em pleno inverno, tempestades violentas na Ásia, geadas prematuras nos EUA. Na última vez em que ele se manifestou intensamente no Brasil, trouxe seca para o Nordeste e chuvas torrenciais e imensas inundações para Santa Catarina, Estado sobre o qual o céu despejava toda a sua água em 1983, exatamente porque as formações de nuvens úmidas não conseguiam furar o bloqueio da massa de ar quente estacionada na região.
No mundo todo, já se prevêem terríveis danos do El Niño, notadamente sobre a agricultura e as colheitas, neste ano. No Brasil, a deslumbrada equipe FHC continua incapaz de detectar a realidade.
A esta altura, diante do rápido avanço da recessão, o melhor (se não o único) instrumento para revertê-la seria um apoio decisivo à agricultura, que mal iniciou o plantio da nova safra, 1997/98, no Centro-Sul.
Mais emprego e mais renda no interior significariam alguma recuperação na venda dos bens de consumo e no emprego industrial, injetando-se algum vapor na economia, este ano, e criando-se condições para uma volta ao crescimento em 1998, impulsionado pelo dinheiro das colheitas.
Diante dos previsíveis estragos do El Niño, porém, a agricultura precisaria ter um tratamento diferenciado, ainda mais especial, para que eventuais quebras de safra em certas regiões fossem compensadas por avanços garantidos, desde o plantio, em outras.
A equipe FHC continua, robotizada como é, a agir mecanicamente, sem levar a realidade em conta. O crédito para o plantio da nova safra, pasme-se, está suspenso no Banco do Brasil porque a "verba" autorizada pela equipe FHC para o mês de setembro já teria sido totalmente emprestada. Mais uma vez, crédito racionado para a agricultura.
Nem o El Niño faz a equipe FHC raciocinar, uma vez que seja. A esperança é que o Congresso interfira na questão, junto ao presidente da República, enquanto é tempo. E livre o país dos efeitos de novos erros dos economistas de porta do inferno que enterram o Brasil.
Dólar - 1
Há dois anos, a equipe dizia que a balança comercial (exportações menos importações) voltaria a ter saldo em breve. No começo deste ano, o menino Kandir veio com uma teoriazinha bonitinha, de que o saldo somente voltaria em 1998, quando as fábricas trazidas pela globalização começassem a funcionar -a exportar.
Na última segunda-feira, o menino-banqueiro André Lara Resende, da equipe, adiou um pouquinho a volta do saldo, agora para 1999 ou 2000, em entrevista à "Gazeta Mercantil". Dois dias depois, o menino-banqueiro Francisco Lopes, também da equipe, chutou novo prazo: 2000 ou 2002. Tudo, sem rubor.

Dólar - 2
É uma piada, de mau gosto, acreditar que os banqueiros e investidores internacionais vão esperar sentados durante três ou quatro anos que a balança comercial brasileira se normalize. É óbvio que a crise do Real virá muito antes. Já está aí.

Sem saída
Em agosto, os aplicadores retiraram US$ 500 milhões das Bolsas do país. Como esta coluna apontou, o recuo nos preços das ações não está tão ligado ao problema dos tigres asiáticos -e sim à evolução desastrosa da própria economia brasileira. Ah, sim, o buraco da balança comercial neste mês já está sendo estimado em algo na faixa de US$ 800 milhões a US$ 1 bilhão. Bom o brasileiro preparar-se para o que vem aí. Já. Dólar em alta e tudo o mais.

Sem dólar
Investimentos anunciados pela Volkswagen para sua fábrica de Resende, tão estrondosamente divulgada na época pela imprensa: US$ 250 milhões. Investimentos efetivos, segundo reportagem desta Folha no domingo: nem US$ 20 milhões, incluindo-se aí os gastos dos fornecedores de peças.
O caso não é o único a desmentir o tamanho -e a "modernidade"- dos investimentos que as múltis estariam trazendo para o país, ajudando a fechar o rombo das contas externas.
Em Goiás, a imprensa descobriu que a fábrica de motos japonesa estava sendo montada com máquinas usadas -e até o capital para obras era fornecido pelo governo do Estado. Aliás, no mesmo Estado. A mesma história: tudo montado com máquinas velhas e dinheiro do Estado. A Vicunha fechou linhas de produção de sua fábrica e demitiu 500 operários.

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