São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 1997
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Uakti neutraliza exageros

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "O Cair da Tarde", Ney Matogrosso parte do senso comum -artificial- que aproxima os maestros Villa-Lobos e Tom Jobim, condensando num disco o que cabia em dois.
Reunidos, locam o CD num meio termo indeciso. Na primeira metade, a disposição monocórdica -um Villa, um Tom, um Villa, um Tom- resulta numa série de interrupções de andamento.
Os segmentos Villa são luminosos, enriquecidos pelos arranjos delicados do Uakti. Os de Tom, quase só centrados em piano e/ou sax, instalam o tédio.
Onde Villa vibra em odes à terra e à natureza, Tom é só (ou quase, pois há a surrada "Águas de Março" e a monumental "Pato Preto") romantismo, lamúria amorosa. Dois conceitos díspares se equiparam e se enfraquecem.
Aí entra a interpretação de Ney. Herdeiro dileto de Elis Regina, faz-se cada vez mais técnico, austero e, também, mais emocional.
Canta da alma, num sentido que lambe o piegas. Se mesmo temas mais pé-no-chão são arrancados do coração, canções já chorosas, como a "Modinha" de Tom, viram puro melodrama.
A interpretação exagera também noutro sentido, o da procura obsessiva pela elegância (no que Ney se aproxima da atual Zizi Possi).
Tal obsessão reduz a potência própria de temas épicos de Villa, como "Modinha" (Nara já cantou), "Melodia Sentimental" ou "Veleiros", ao ego vocal de Ney.
Bem, como antídoto a isso há arranjos de fato primorosos e a participação inspirada do Uakti.
O desenlace se dá nas "Cirandas" recolhidas por Villa. Sofisticado, quase irônico, Ney canta "Se Essa Rua Fosse Minha", "Terezinha de Jesus" e outras singelezas realçadas pelo Uakti. E brilha, quase sem fazer força. Quem dera um disco todo assim.
(PAS)

Disco: O Cair da Tarde
Artista: Ney Matogrosso
Lançamento: PolyGram
Quanto: R$ 18, em média

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