São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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Contradições televisivas

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Ela era sem-terra, virou sem-roupa e agora fará o papel de uma prostituta. Carreira fulminante a de Débora Rodrigues, ex-militante do MST e que tirou a roupa para a revista "Playboy", abrindo assim o caminho para atuar no bordel da novela das oito.
João Pedro Stedile, o líder radical do MST, é também radical ao diagnosticar a performance pessoal da moça: diz que ela é responsável pela maior derrota do movimento e que sua nudez na revista masculina é um dano irreparável.
Será? Pode até ser que sim, mas o fato é que ela chegou lá, agora pode ter terra e teto e conquistou um papel privilegiado na principal emissora do país.
É interessante notar que a Globo valoriza sobremaneira os personagens das prostitutas. Em suas novelas de época, principalmente as nordestinas, sempre tem um prostíbulo recheado de moças bonitas.
Em geral o cotidiano das raparigas -ou "camélias" ou qualquer outro eufemismo que se escolha- é glamouroso, as jovenzinhas vivem mais ou menos de bem com a vida e sempre pinta um ou outro moço bom para realizar o sonho do casamento.
E a barra pesada da prostituição? Os gigolôs vigaristas, a extorsão da polícia, a miséria, as drogas, a Aids, as blenorragias, as dores da solidão e do desgosto de famílias desfeitas, sonhos impossíveis e juventude perdida?
Bem, talvez esses sejam temas indigestos demais para o familiar horário nobre global.
Não, a barra pesada do meretrício só no "Fantástico", rezam os cânones televisivos ibopeanos da principal emissora do país.
De fato, o "Fantástico" mostra mesmo, como o fez anteontem em tom de grave denúncia, miséria, podridão, criminalidade envolvendo a nada charmosa profissão mais antiga do mundo.
Uma profissão vil que, contraditoriamente, aparece todos os dias na tela da mesma TV como se fosse a mais amena das brincadeiras infantis.

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