São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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Discussão extemporânea

ANDRÉ LARA RESENDE

"Mas já vestiu tanto assim a camisa?". O comentário, entre sério e irônico, foi feito, na semana passada, por um amigo diante da minha afirmação de que a possibilidade de um ataque especulativo contra o real, hoje, me parece uma discussão extemporânea.
Acabo de assumir a tarefa de ajudar o governo na elaboração de algumas reformas de fundo. Isenção total nunca existe; e a profunda desconfiança em relação à capacidade de isenção dos que estão no governo está, seguramente, bem fundamentada na experiência. Mas, com toda sinceridade, não acredito que minhas novas funções já tenham tido qualquer impacto sobre minha visão do mundo. Ainda não deu tempo.
Foi a crise recente das economias do Sudeste Asiático que reacendeu o temor de que também poderíamos estar às portas de uma crise cambial. Acabamos de sair de um longo período de inflação crônica. A estabilização é sempre seguida de um período onde alguns preços -principalmente o dos serviços e o dos bens não comerciáveis- mantêm um ritmo de crescimento superior aos demais. O resultado é uma inevitável valorização da moeda. O real está, portanto, relativamente valorizado. Ninguém nega.
Depois de décadas do mais impenetrável protecionismo, a abertura inverteu nosso expressivo superávit comercial. O nosso déficit de transações correntes tem, consequentemente, aumentado. Até aqui não houve, entretanto, nenhuma dificuldade para financiá-lo. Não quero nem tenho espaço para me estender na análise. Basta reconhecer que temos uma moeda valorizada e um déficit crescente, mas por enquanto financiável. Será o suficiente para nos garantir o lugar de "a bola da vez"?
Em entrevista recente, Paulo Krugman, sem sombra de dúvida um dos mais competentes analistas internacionais, disse que o Brasil é a escolha óbvia para a próxima crise no hemisfério. Quando eram tidas como milagrosas, Krugman fez uma análise devastadora das economias dos chamados Tigres Asiáticos. Previu dificuldades para o México quando ainda era o xodó dos investidores internacionais.
É evidente que Krugman não pode ser desconsiderado como apenas mais um oportunista despreparado. Suas análises baseiam-se em sólidos conhecimentos da teoria. Não existem milagres. O rápido crescimento das economias dos Tigres Asiáticos explicava-se por uma enorme mobilização de recursos, sem aumento significativo de produtividade. Nada de errado, mas a inescapável lei dos rendimentos decrescentes acabaria por levá-los a menores taxas de crescimento. Como andaram também negligenciando regras básicas do bom funcionamento do mercado, meteram-se em projetos governamentais megalomaníacos e seus bancos quebraram, o fim do ciclo expansionista seria, inevitavelmente, duro.
Em relação ao Brasil, Krugman reconhece saber menos do que deveria. Nossos problemas lhe parecem mais convencionais: precisamos equilibrar as contas públicas e aumentar a taxa de poupança privada. Tem toda razão. Sabemos disso. Sólidas reservas podem se esvair da noite para o dia. Só o aumento da poupança e da produtividade podem garantir o crescimento sustentado. Se formos capazes de agir de acordo com o que temos consciência, poderei continuar a defender a tese de que a possibilidade de ataques especulativos é uma discussão extemporânea sem medo de ter sido atacado pelo vírus do oficialismo.

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