São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
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Ano do prato frio

JOSÉ SARNEY

O ano de 1998 chega ao fim sem sabor de saudade. Cresceu na consciência coletiva a sensação de que está terminando com gosto de prato frio.
Foi um ano de grandes e espetaculares vitórias eleitorais sem comemorações. Nada levantou o ânimo do país, que viveu na iminência de uma crise anunciada, que afinal chegou, com ela temos de conviver e diz-se ser impatriótico não sofrer.
Estamos em dezembro e praticamente aquele espírito do Natal e sons de sinos batendo em festas ainda não foram ouvidos. Os sons parecem badaladas de quaresma. Os verbos cortar, reduzir, economizar, perder, piorar, desempregar são espantalhos. E os anúncios dos números consolidados de 98 são de arrepiar. A indústria automobilística, motor da economia, está com os maiores previsíveis estoques encalhados (50% da produção) e não têm dinheiro para pagar salários.
A inadimplência tem um acréscimo de 22,4% sobre as taxas de 97, já altas. As falências sobem 22% e o desemprego aberto fecha em 8,5%. Era de 3% em 89, 5,2% em 91 e é previsto no ajuste fiscal para 10,5% em 99. Isto é, numa década, aumentou mais de três vezes!
O poder de compra está deprimido pelo excesso de oferta no mercado de trabalho (leia-se, mais uma vez, desemprego), e o ajuste fiscal, necessário, aumenta a carga tributária e diminui a renda disponível, agravando o problema. O crédito virou substantivo abstrato e o consumidor, um ser depressivo. A tal falta de confiança dos investidores, ajudada pelo catastrofismo das previsões, acabou com investimentos, impossíveis com as taxas de juros praticadas, de mais de 40% ao ano.
Nossos sábios economistas dizem ser o sacrifício necessário para baixar o déficit público e chegarmos a um superávit primário de 1,7% em 99, objetivo com que sonhamos recuperar a confiança dos investidores. Mais impostos, mais cortes e o resultado será, em 99, uma recessão de -2% do PIB. Para que se tenha noção do que isso significa, lembremos que os Estados Unidos, com crescimento zero, ao tempo de Bush, adotou juros de 2%, por dois anos, para estimular a economia, que somente começou a se recuperar no primeiro semestre do governo Clinton, três anos depois. Vamos ter um longo caminho.
"Annus terribilis", disse a rainha Elizabeth da Inglaterra, ao saber dos amores da família real. Que dirá o povo brasileiro, que além de tudo não levou a Copa do Mundo e viu dezembro chegar com as derrotas das seleções masculina e feminina de vôlei e o Vasco perdendo o título mundial em Tóquio, logo para o Real, bem verdade, Madrid!
Mas um segmento está privilegiado: o dos videntes, anunciadores de previsões para o próximo ano. "Mãe de Shinjuku", a mais famosa vidente de rua do Japão, já anunciou: "A crise não está nem no começo. Consigo prever o futuro das pessoas, não do país. Solteiras querem um casamento com alguém que tenha emprego e carreira. Solteiros querem emprego. Casados não querem perder o emprego". Ano terrível! Mas, como testemunha o André Beer, animando a todos nós: "Estou no batente há 49 anos e nunca entrei um dia no escritório sem que não me anunciassem uma crise".

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