São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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CD/CRÍTICA

Suspense é eficiente e econômico

JOÃO BATISTA NATALI

DA REPORTAGEM LOCAL

O compositor norte-americano Philip Glass, 64, possui um exímio controle sobre a linguagem da música de câmara. A trilha sonora do filme "Drácula" -na versão de 1931, a mais clássica entre as 97 outras versões do mesmo vampiro na história cinematográfica- não é apenas uma prova disso.
É também a demonstração de que o clima de suspense e de tragédia exigido pelo enredo pode ser sonoramente traduzido por meio da econômica junção de apenas dois violinos, uma viola e um violoncelo. No caso, os instrumentistas do Kronos Quartet.
Glass, para quem não se lembra, foi nos anos 70 um dos "inventores" da música minimalista, que, por meio da repetição de sequências harmônicas de extrema simplicidade, submetidas a variações minúsculas após uma dezena de compassos, procurava romper com a vanguarda atonalista e com o neoclassicismo que dividiam o mercado da música erudita.
"Drácula" não é sua primeira incursão no campo das trilhas sonoras. Ele compôs, por exemplo, para "Mishima", de 1985, com direção de Paul Schrader, e é o autor da música de "Kundun", lançado em 1998 e dirigido por Martin Scorsese.
"Kundun", poema sinfônico em 18 movimentos, uma das peças sonoras mais bem construídas da história de Hollywood, acabou perdendo o Oscar para o medíocre acompanhamento musical de "Titanic". Previsível.
Não é tampouco a primeira vez que Glass e o Kronos trabalham juntos. Há dois CDs de composições suas, um de 1986 e outro de 1995, em que o quarteto norte-americano exercita seu hábito de incursionar por território experimental e evita se diluir na enésima versão de quartetos mais conhecidos de Beethoven, Schubert ou Brahms.
Philip Glass mergulha de forma sofisticada no clima do "Drácula" dirigido por Tod Browning e interpretado por Bela Lugosi. É sofisticado não por dar à música alguma proximidade melódica com aquelas que estavam em voga no início dos anos 30, mas por incorporar, com tradução minimalista, aquilo que, depois de Bernard Herrmann (1911-1975), autor das trilhas dos melhores Hitchcock, pode ser visto como o gênero sonoro específico ao suspense.
São construções simples e de grande eficácia, como a manutenção de um acorde agudo, que volta a cada compasso, por sua vez complementado por uma sucessão de notas mais graves e bem curtas.
Glass também imprime em algumas das 26 faixas do CD aquilo que provavelmente o futuro verá como uma de suas marcas registradas. Num instrumento de cordas com predominância de escalas maiores (violoncelo, viola), o instrumentista passeia com o arco alternadamente pelas duas cordas mais graves, introduzindo uma mudança de uma ou das duas notas a cada dez ou 20 compassos.
Apesar dessa simplicidade técnica quase franciscana, com a partitura de Philip Glass o Kronos Quartet tem a sonoridade densa de uma grande orquestra de cordas. Há poucos vazios sonoros. O negócio é preencher os espaços para não deixar a peteca do suspense cair em pausas que criariam lacunas no clima cinematográfico de tensão. Drácula, o vampiro, agradece.
Drácula

    
Artista: Kronos Quartet
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 30, em média



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