São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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Crítica/"A Fronteira da Alvorada"

Garrel capta flutuações da experiência amorosa

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O cinema do francês Philippe Garrel é daqueles sem meio-termo: ou se ama ou se odeia. Ambos extremos se verificaram nas reações do público a seu filme anterior, "Amantes Constantes". O título programado para esta Mostra, "A Fronteira da Alvorada", deve, novamente, provocar respostas discordantes. Como no longa anterior, Garrel dirige o filho, Louis ("Em Paris" e "Canções de Amor"), às voltas com o poder dos sentimentos. Em torno dele gravitam a carnal Carole (Laura Smet) e a angelical Ève (Clémentine Poidatz), submetendo sua capacidade de se relacionar a limites dos quais o jovem fotógrafo buscará escapar.
O argumento, de crônica amorosa quase banal, é, no entanto, perfeito para Garrel redimensionar o significado do que pode o cinema. Como na literatura, o sentimento amoroso é uma constante de sua obra na medida em que oferece um vasto corpo de experimentações físicas e emocionais.
As flutuações da experiência amorosa são registradas por Garrel de um modo microscópico, no qual os movimentos de atração e reação ganham uma representação que ultrapassa o anedotário amoroso, daí a impressão de rarefação dramática em seus filmes, do qual parte do público reclama "porque não acontece nada".
O que acontece de fato e que Garrel captura é o imperceptível da experiência, o mínimo movimento ou a quase ausência dele. Para isso, seu cinema se arma do recurso inevitável da contemplação, para a qual o tempo se torna o principal aliado. Mesmo com uma duração menor que as três horas de "Amantes Constantes", "A Fronteira da Alvorada" não nos expõe menos à dilatação da temporalidade, exigindo do espectador um esforço contemplativo fora dos padrões. A contrapartida sensorial dessa experiência é dada pela imagem na fotografia em preto-e-branco de William Lubtchansky, que retoma a saturação da luz nos brancos e nos dá a ver uma infinidade de cinzas, numa espécie de expressionismo romântico que já concentrava a beleza mais evidente de "Amantes Constantes".
O retorno aos fantasmas do romantismo assume-se como definitivo quando Garrel oferece o trânsito entre dois mundos, o dos mortos e o dos vivos, assegurado pelo mito imortal da paixão. A ele, parte da platéia responderá com escárnio. A outra vibrará ao testemunhar o reencontro inevitável do moderno com o clássico.


A FRONTEIRA DA ALVORADA
Direção: Philippe Garrel
Quando: hoje, às 22h, no Cinesesc; dia 25, às 21h50, no Reserva Cultural; dia 26, às 14h20, no Cine Bombril; dia 28, às 14h30, no Reserva Cultural
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



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