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"EM NOME DE DEUS"
Peter Mullan retrata totalitarismo católico em panfleto estreito
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Nos anos 60, na Irlanda, por
motivos diversos, três moças vão parar num reformatório
feminino comandado por freiras
católicas (as "Magdalene sisters"
do título original).
Rose (Dorothy Duffy) é mãe
solteira. Margaret (Anne-Marie
Duff) foi estuprada pelo primo. Já
Bernadette (Nora-Jane Noone)
não fez nada, mas é bonita e sensual demais, além de órfã.
A partir do prólogo enxuto e
contundente que narra o destino
de cada uma das três garotas antes
de serem trancafiadas no reformatório, "Em Nome de Deus", o
segundo longa-metragem dirigido pelo ator Peter Mullan (de
"Meu Nome É Joe"), passa a descrever o trabalho forçado das jovens na lavanderia mantida pelas
freiras.
É nessa passagem do individual
ao coletivo que o filme deixa de
aproveitar aquela que parecia ser
sua melhor perspectiva, a de um
estudo do lugar problemático da
mulher numa sociedade profundamente católica.
Em vez de explorar isso -as difíceis relações entre o catolicismo
e o feminino-, "Em Nome de
Deus" trilha o caminho mais fácil
do panfleto, retratando o reformatório como um campo de concentração nazista nos filmes sobre
o Holocausto.
Fatos reais
O argumento é o de que "as coisas se passavam realmente assim", reforçado pela frase que ultimamente tem servido de álibi a
muito filme medíocre: "Baseado
em fatos reais".
Diz um letreiro que cerca de 30
mil garotas foram encarceradas
nas lavanderias das irmãs Magdalene até que estas foram fechadas
em 1996. Tudo bem. Vale a denúncia. Mas do cinema se espera
um pouco mais.
O que salva "Em Nome de
Deus" de ser um mero melodrama maniqueísta, de matriz di
ckensiana, é o excepcional trabalho das atrizes, além de um ou outro momento brilhante de "mise-en-scène", como o prólogo citado
e a seqüência em que se exibe no
reformatório "Os Sinos de Santa
Maria" (1945), de Leo McCarey.
Nessa última passagem o filme
consegue até superar seus próprios limites.
A tirânica madre Bridget (Geraldine McEwan) verte uma lágrima e se humaniza por um instante, naquilo que parece ser uma
identificação platônica com a freira desempenhada por Ingrid
Bergman no clássico de McCarey.
A grande ditadora, enfim, também é uma mulher.
Ator de vigor extraordinário,
Peter Mullan (que faz uma ponta
como o pai violento de uma das
internas) extrai de suas atrizes, de
um modo geral, uma intensidade
e uma sutileza que vão além do figurino estreito imposto às personagens.
Parece que elas querem se libertar não só dos muros do reformatório católico, mas também da estreiteza do roteiro (escrito, aliás,
pelo próprio Mullan).
Em todo caso, o longa-metragem conquistou o Leão de Ouro
no Festival de Veneza de 2002,
despertou a previsível ira do clero
irlandês e tem um futuro de sucesso pela frente.
Em Nome de Deus
The Magdalene Sisters
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