São Paulo, sábado, 29 de novembro de 1997.



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INTERVENÇÃO URBANA
Evento nas indústrias Matarazzo, no Moinho Central e na estação da Luz termina amanhã
Arte/Cidade encerra laboratório urbano

MARA GAMA
Gerente-geral de criação do Universo Online

Amanhã, depois que se fecharem os portões que dão acesso ao Arte/Cidade 3, grande parte das obras vai se integrar às ruínas (ou se desintegrar com elas). Pelo menos uma delas vai emigrar -o Farol, de Regina Meyer, deve ser inserido próximo à Luz. Mas talvez nenhuma das intervenções tenha se comprometido tanto com o local como a de Nelson Felix.
As lajes recortadas e penduradas por cabos de aço nos intervalos dos andares do Moinho Central são praticamente intocáveis. Não podem ser agregadas de novo aos andares de onde foram destacadas e nem depositadas nos andares mais baixos, sob risco de abalo das estruturas. "Essa é a prova de que o Arte/Cidade serviu mais para criar tensão do que para aplacar, o que me parece bem interessante", diz o curador do evento, o filósofo Nelson Brissac Peixoto.
O intervalo hiperexposto da obra de Felix espelha a situação do próprio Moinho. Diferente das indústrias Matarazzo, cujo terreno vai abrigar prédios de escritórios, a área do Moinho é terra devoluta, administrada pela rede ferroviária. O acesso só se dá por via férrea. Para ser reaproveitado ou restaurado, ele exige soluções urbanas que extrapolam seu tamanho.
"Poderia ser um abrigo popular, ou um conjunto de ateliês, muitas coisas. Mas o Moinho também está suspenso. Ninguém sabe o que vai acontecer", diz Brissac.
Essa "suspensão" de que fala o curador e que se materializa na obra de Felix permeou a maior parte dos trabalhos de arquitetos e artistas que exploraram as ruínas do ponto de vista urbano, fazendo do evento um grande laboratório. "Acho que esta edição do Arte/Cidade é uma espécie de brecha no tempo. É um testemunho do processo de transformação de uma cidade industrial para uma cidade terciária, de serviços", diz a arquiteta Regina Meyer.
"Aterramos e demos nova forma a 2 mil metros cúbicos de terra e com isso criamos um espaço que não é nada, mas proporciona a visão desta área da cidade. É uma área em suspensão", diz o arquiteto Fernando de Melo Franco, 33.
"O que o trabalho mostra é a necessidade de criar uma nova geografia em São Paulo. Uma nova paisagem, que não será nem monumental e nem naturalista. Será resultado de uma infra-estrutura urbana", afirma Milton Braga, 34, parceiro de Melo Franco no aterro que fica nas indústrias Matarazzo.
"Os trilhos dos trens são instrumentos de estruturação de uma cidade e, portanto, uma arquitetura também. Com o elevador que ergui, quis chamar a atenção para a rede de circulação vertical urbana e fazer pensar sobre a cidade contemporânea", diz o arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Foi também para fazer pensar sobre a cidade, por meio da experiência das ruínas, que a equipe de arquitetos e engenheiros chefiados pela arquiteta Marta Bogéa trabalhou nas obras de adequação dos espaços do Arte/Cidade 3. Com elementos discretos, criando uma segunda pele que garantisse segurança sobre escombros, o projeto desvendou o ambiente hostil sem domesticá-lo, sem travesti-lo de museu ou galeria.
"Muita gente me pergunta qual é o resultado do Arte/Cidade. Digo que é criar um momento de reflexão crítica sobre a transformação da cidade", diz Regina Meyer.


Evento: Arte/Cidade 3
Onde: estação da Luz, Moinho Central e indústrias Matarazzo (av. Francisco Matarazzo, 1.096, São Paulo)
Quando: das 12h às 21h; até amanhã



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