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SOMBRA NO PLANALTO
Serra Azul e Santoro dizem que, em conversa divulgada anteontem, tentavam convencer Cachoeira a colaborar com a Justiça
Procuradores negam ter agido ilegalmente
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em nota oficial divulgada ontem, o subprocurador-geral da
República José Roberto Santoro e
o procurador Marcelo Serra Azul
afirmam que as gravações nas
quais eles tentam obter a colaboração do empresário do jogo Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com investigação conduzida
pelo Ministério Público não revelam prática de "ato ilegal, simplesmente processo regular de convencimento de réu-colaborador a
vencer seus medos e colaborar
efetivamente com a Justiça".
A nota oficial, a cuja divulgação
Santoro não compareceu, é uma
referência à divulgação anteontem de gravações nas quais o subprocurador, acompanhando de
Serra Azul, tenta fazer com que
Cachoeira entregue ao Ministério
Público uma fita de vídeo na qual
o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência Waldomiro Diniz aparece negociando
com o empresário cobrança de
propina e contribuições para
campanhas eleitorais em 2002. O
caso se tornou a principal crise do
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Conforme a nota divulgada ontem por Serra Azul e Santoro, não
houve "violação do princípio do
promotor natural" -irregularidade da qual são acusados pelo
procurador-geral da República,
Cláudio Fonteles- e "não constitui ilícito e tampouco infração
funcional" tomar depoimentos de
madrugada. Promotor natural é
aquele que, de acordo com a legislação, conduz a investigação.
Segundo Serra Azul, Santoro
participou das primeiras diligências relacionadas ao caso a seu pedido. Serra Azul informou que,
no dia 4 de fevereiro, quando a fita
foi encaminhada pelo senador
Antero Paes de Barros (PSDB-MT) a Santoro, o subprocurador
o informou do acontecido por sua
condição funcional na época:
coordenador criminal do Ministério Público Federal em Brasília.
"Não havia ninguém com foro
privilegiado envolvido. Waldomiro era um assessor. Não há exigência legal de avisar o procurador-geral das diligências. Ele sabe
que no Ministério Público não
tem hierarquia. Se não sabe, deveria saber", disse Serra Azul.
No depoimento com Cachoeira,
em certo momento da conversa,
por volta das três horas do dia 9 de
fevereiro, Santoro afirma: "Ó, estourou o meu limite. Daqui a pouco o Claudio [Fonteles] chega,
chega às seis horas da manhã, vai
ver seu carro na garagem, vai ver
o que tem (...) e vai ver um subprocurador-geral empenhado em
derrubar o governo do PT".
Segundo Serra Azul, Santoro estaria tentando alertar Cachoeira
de que, se a situação perdurasse,
Fonteles poderia chegar, e aí
aconteceria o que o empresário
mais temia: o governo saber que
ele entregara ao Ministério Público a fita de Waldomiro.
Mas a alegada habilidade de
Santoro para persuadir depoentes
não funcionou, conforme relatou
Serra Azul. Cachoeira não quis
ouvir nem o conselho de sua mulher, Andreia, que o acompanhava na condição de advogada. "Ela
tentou convencê-lo de que nenhum advogado poderia dar a ele
o que Ministério Público estava
oferecendo: o perdão da pena."
Mania de gravar
Tornado público, o registro dos
diálogos não surpreendeu Santoro nem Serra Azul. "Nós tínhamos quase certeza de que ele estava gravando. O delegado [Giacomo Santoro, que acompanhou toda a conversa] até sugeriu darmos
um baculejo, para ver se tinha
gravador. Mas eu e o Santoro dissemos que ele era um colaborador
e que, se quisesse gravar, que gravasse. Sabíamos que ele tinha mania disso", afirmou Serra Azul.
Ao reconstituir os bastidores do
dia do depoimento, digitado por
Santoro, o procurador afirmou
que Cachoeira chegou a concordar em entregar a fita.
"Mas aí, na hora de ler o depoimento para ele confirmar os termos e assinar, deu "tilt" no computador. O Santoro redigitou tudo.
Quando terminou e foi ler para o
Cachoeira, ele não quis assinar",
contou Serra Azul.
Teria dado "tilt" no momento
em que, a pedido de Serra Azul,
Santoro teria entrado mais incisivamente em cena. "É uma técnica
que a gente usa. Do que ele mais
tinha medo? Do governo, do que
o governo poderia fazer contra
ele. Então, como já eram quase
duas da manhã, o Santoro usou o
pretexto do tempo para afirmar
que aquela cena, nós ali, diante do
procurador-geral, iria sugerir que
havia algo armado contra o governo." A pressão para conseguir
a colaboração de Cachoeira era
para garantir que o uso da fita em
um eventual processo não fosse
questionado pela Justiça.
Antes do seu primeiro depoimento ao Ministério Público, em
19 de fevereiro, Cachoeira esteve
ainda em outra ocasião com Serra
Azul, no dia 17. "Ele não falava nada. Está no olho do furacão, sabe
de tudo, é escorregadio... Aí eu
disse a ele para ir embora e pensar
melhor se queria ou não colaborar", disse o procurador.
(ANDRÉA MICHAEL)
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