São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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JANIO DE FREITAS

De apagão em apagão


O governo tem compromisso difícil a cumprir com a desmilitarização docontrole de vôo contra a resistência da Aeronáutica

Outros tipos de apagão devem ser esperados, todos com desbobramentos e alcance por ora imprevisíveis. Desde o seu primeiro momento, em seguida à derrubada do avião da Gol pelo Legacy, a crise no controle aéreo brasileiro tem uma face institucional a que a imprensa não deu atenção, face e desatenção provenientes do susceptível envolvimento militar. Pois é dessa face que vem o risco de novos tipos de apagão, dos quais o primeiro já se prenuncia.
A resposta dada por Lula em um repente, ao saber do agravamento da crise com o choque entre o comando da Aeronáutica e os controladores militares de vôo, criou uma situação ainda mais complicada. Desautorizou as 50 prisões de controladores providenciadas pelo comando da Aeronáutica junto ao Ministério Público Militar; mandou garantias de que não haveria represálias à greve e às atitudes extremadas contra o comando; determinou negociações para acordo imediato com insurgidos. Para completar, afastou as chefias militares do caso em curso, entregando as providências a um ministro civil (por sinal, Paulo Bernando, com experiência em negociações como sindicalista).
O repente anterior, com a tal exigência de data e hora para encerramento de uma crise com tantos problemas ainda insondáveis, acomoda-se bem no anedotário presidencial. O repente de agora entra em uma galeria séria, destinação indicada no estado de ânimo de alguns militares já nas primeiras horas após saberem dos fatos da madrugada.
Não é muita a probabilidade de que os comandos da Aeronáutica absorvam passivamente o acontecido. O ministro da Defesa, Waldir Pires, usa pantufas de veludo e luvas de seda para tratar de assuntos de sua pasta. Não só pelo que seja de sua natureza pessoal, mas porque a norma adotada por Lula foi a da tolerância e reverência aos militares. O legado, por exemplo, do ex-comandante do Exército, Francisco Albuquerque, começou com atritos desgastantes de um ministro da Defesa, o primeiro do governo Lula, capaz de importantes contribuições para a formulação, enfim, de uma política militar brasileira, e não subproduto da doutrina americana para os subdesenvolvidos. Começou ali, não parou no avião da TAM e, para afinal substituí-lo, Lula ainda pretextou mudar os três comandantes.
Desde o início da crise, porém, estava claro que o corporativismo e a antiquada concepção de hierarquia não levaria os militares às soluções necessárias. Em vez dos habituais encobrimentos, precisariam reconhecer a incompetência de sua administração no controle aéreo, seja quanto a equipamentos ou a técnicos. O processo de transferência do controle para o civil, até hoje não teve aceitação real nem, muito menos, a colaboração indispensável. E ao caso dos controladores, o tratamento foi o de caserna (só um em cada cinco controladores é civil, os demais são sargentos). A transferência de um deles para o interior gaúcho, que acelerou o agravamento da crise, foi a primeira de uma lista de 32 nomes a serem assim punidos.
As informações, por ora, são insuficientes para saber como, porque e onde, de fato, as reações dos controladores, antes disfarçadas e limitadas, explodiram na greve de fome e na suspensão do serviço. Logo, também não se sabe o quanto a súbita reação extremada, com efeitos tão pesados, poderia se justificar ou não.
Sabe-se, no entanto, que para nenhum dos lados a crise encerrou-se com o acordo da madrugada. O governo tem agora um compromisso difícil a cumprir com a desmilitarização do controle de vôo contra a resistência da Aeronáutica. E suas gentis relações com os militares estão trincadas. Um apagão que não envolve só a FAB, e que desde logo retira o crédito das esperáveis declarações de conveniência.


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