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JANIO DE FREITAS
De apagão em apagão
O governo tem compromisso difícil a cumprir com a desmilitarização docontrole de vôo contra a resistência da Aeronáutica
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Outros tipos de apagão devem
ser esperados, todos com
desbobramentos e alcance
por ora imprevisíveis. Desde o seu
primeiro momento, em seguida à
derrubada do avião da Gol pelo Legacy, a crise no controle aéreo brasileiro tem uma face institucional a
que a imprensa não deu atenção, face e desatenção provenientes do
susceptível envolvimento militar.
Pois é dessa face que vem o risco de
novos tipos de apagão, dos quais o
primeiro já se prenuncia.
A resposta dada por Lula em um
repente, ao saber do agravamento
da crise com o choque entre o comando da Aeronáutica e os controladores militares de vôo, criou uma
situação ainda mais complicada. Desautorizou as 50 prisões de controladores providenciadas pelo comando da Aeronáutica junto ao Ministério Público Militar; mandou garantias de que não haveria represálias à
greve e às atitudes extremadas contra o comando; determinou negociações para acordo imediato com
insurgidos. Para completar, afastou
as chefias militares do caso em curso, entregando as providências a um
ministro civil (por sinal, Paulo Bernando, com experiência em negociações como sindicalista).
O repente anterior, com a tal exigência de data e hora para encerramento de uma crise com tantos problemas ainda insondáveis, acomoda-se bem no anedotário presidencial. O repente de agora entra em
uma galeria séria, destinação indicada no estado de ânimo de alguns militares já nas primeiras horas após
saberem dos fatos da madrugada.
Não é muita a probabilidade de
que os comandos da Aeronáutica
absorvam passivamente o acontecido. O ministro da Defesa, Waldir Pires, usa pantufas de veludo e luvas
de seda para tratar de assuntos de
sua pasta. Não só pelo que seja de
sua natureza pessoal, mas porque a
norma adotada por Lula foi a da tolerância e reverência aos militares.
O legado, por exemplo, do ex-comandante do Exército, Francisco
Albuquerque, começou com atritos
desgastantes de um ministro da Defesa, o primeiro do governo Lula, capaz de importantes contribuições
para a formulação, enfim, de uma
política militar brasileira, e não subproduto da doutrina americana para
os subdesenvolvidos. Começou ali,
não parou no avião da TAM e, para
afinal substituí-lo, Lula ainda pretextou mudar os três comandantes.
Desde o início da crise, porém, estava claro que o corporativismo e a
antiquada concepção de hierarquia
não levaria os militares às soluções
necessárias. Em vez dos habituais
encobrimentos, precisariam reconhecer a incompetência de sua administração no controle aéreo, seja
quanto a equipamentos ou a técnicos. O processo de transferência do
controle para o civil, até hoje não teve aceitação real nem, muito menos,
a colaboração indispensável. E ao
caso dos controladores, o tratamento foi o de caserna (só um em cada
cinco controladores é civil, os demais são sargentos). A transferência
de um deles para o interior gaúcho,
que acelerou o agravamento da crise, foi a primeira de uma lista de 32
nomes a serem assim punidos.
As informações, por ora, são insuficientes para saber como, porque e
onde, de fato, as reações dos controladores, antes disfarçadas e limitadas, explodiram na greve de fome e na suspensão do serviço. Logo, também não se sabe o quanto a súbita
reação extremada, com efeitos tão
pesados, poderia se justificar ou não.
Sabe-se, no entanto, que para nenhum dos lados a crise encerrou-se
com o acordo da madrugada. O governo tem agora um compromisso
difícil a cumprir com a desmilitarização do controle de vôo contra a resistência da Aeronáutica. E suas
gentis relações com os militares estão trincadas. Um apagão que não
envolve só a FAB, e que desde logo
retira o crédito das esperáveis declarações de conveniência.
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