São Paulo, segunda-feira, 01 de maio de 2000


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RESERVA

Documentos e testemunhas confirmam denúncia de pataxó; senador não nega distribuição de títulos

ACM deu terra de índio a fazendeiros


Lula Marques - 13.abr.00/Folha Imagem
O índio suruí Henrique Iabaday aponta flecha para o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA)


DANIEL BRAMATTI
da Sucursal de Brasília

O índio Henrique Iabaday, da tribo suruí, ganhou notoriedade instantânea no último dia 13 ao apontar uma flecha para o rosto do presidente do Congresso, senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e exigir a aprovação do Estatuto das Sociedades Indígenas pelo Congresso.
O gesto de Iabaday acabou desviando as atenções do discurso feito na ocasião pelo cacique Nailton Pataxó, cujo ataque -verbal- a ACM foi certeiro.
Diante de cerca de 300 índios e do próprio senador, o cacique acusou ACM de ter distribuído títulos de propriedade a fazendeiros que ocupam irregularmente a reserva indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia.
Documentos da Funai e testemunhos ouvidos pela Folha comprovam que ACM promoveu a titulação de terras indígenas entre 1978 e 1982, quando foi governador da Bahia pela segunda vez.
Em 1982, a Funai entrou na Justiça para anular os títulos e remover 390 fazendeiros que ocupavam praticamente toda a reserva. Passados 18 anos, o processo ainda aguarda julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Benigno Azevedo, um dos fazendeiros agraciados por ACM, disse à Folha que recebeu os títulos em cerimônia feita em praça pública, no município de Pau Brasil, sul da Bahia.
"ACM deu títulos para mais de cem. Foi duas ou três vezes a Pau Brasil", afirmou. Segundo Azevedo, não há índios na área. "Isso (sustentar que há tribos na região) é coisa do PT, da CUT, da igreja, dos sem-terra", afirmou.
Raimundo Alves dos Santos, também beneficiado, disse que recebeu o título de sua terra depois de mandar cartas a ACM -a quem considera "um amigo". O fazendeiro cria gado em uma área de cerca de 1.500 hectares.
O advogado Pacífico Ribeiro, que escreveu um livro sobre o conflito na área, contabiliza, entre seus clientes e ex-clientes, 15 que receberam títulos de propriedade do então governador Antonio Carlos Magalhães.
A prática, segundo o advogado, não foi inaugurada na gestão ACM. "Há títulos até da década de 20", afirmou.

Manobra anterior
De fato, a titulação sistemática das terras indígenas começou no governo de Roberto Santos, antecessor de ACM no governo baiano. Ele alegou que as terras eram devolutas (abandonadas) e começou a legalizar a situação de arrendatários e posseiros que estavam dentro da reserva.
A Funai afirma que os índios nunca abandonaram completamente a reserva, criada em 1926, apesar de sofrerem um paulatino processo de expulsão durante décadas seguidas.
Os fazendeiros começaram a se instalar no interior da reserva logo depois da sua criação. O próprio SPI (Serviço de Proteção ao Índio), órgão federal que antecedeu a Funai, assinou contratos de arrendamento das terras.
Os arrendatários acabaram se instalando em definitivo ou vendendo a posse para terceiros. Agora, os índios reclamam a posse dessas terras.


Outro lado
Ouvido pela Folha, o senador Antonio Carlos Magalhães disse que não lembra se distribuiu os títulos em seu governo.
"Ignoro. Assinei dezenas de milhares de títulos quando era governador. Não acredito ter assinado. Se assinei, foi por erro de alguém que me passou."
Depois, o senador se declarou "responsável por todos os atos" de seu governo.
"Se fiz, foi por ter a convicção de que era o melhor a ser feito. Não vou ficar agora na bajulação de índio só porque está na moda", afirmou.
ACM também foi ouvido pela Folha no último dia 13, após a ameaça com flecha e a acusação do cacique Nailton Pataxó de que havia distribuído títulos de propriedade de terras pertencentes à reserva indígena.
Na ocasião, o senador não quis comentar o assunto.


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