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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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NEO-ALIADOS

Líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B) afirma que críticos não captaram significado da gestão petista

Líder de Lula vê identidade com PP de Maluf

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), acusa deputados do PT de "voluntarismo" pelas críticas à política econômica. Diz também haver identidade do governo Lula e do PC do B com o "PP de Maluf", força política tida como de direita, porque todos defendem "ampliação do mercado interno e do comércio exterior" e "geração de emprego".
Rebelo afirma que os radicais petistas e o presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, fortalecem a "oposição conservadora" ao se articularem contra o presidente. Para o líder do governo, os críticos repetem os erros da esquerda que viveu a Revolução de 30 e a tensão antes do suicídio de Getúlio Vargas (1954) e do regime militar de 64.
A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, uma espécie de ideólogo dos "desenvolvimentistas", diz que o atual governo abraça a agenda morta de FHC e que a reforma da Previdência é apenas um ritual de passagem do PT para conquistar o mercado.
Aldo Rebelo -
Em linguagem militar, é a clássica figura do fogo de barragem. Na retirada, autoriza-se uma última leva de fogo para proteger sua saída do terreno. Mais do que ninguém, o sr. Mendonça de Barros sabe que essa agenda guarda atualidade exatamente pela incapacidade do governo anterior de implementá-la. Recebemos um país descreditado.

Folha - Mendonça de Barros diz que os indicadores econômicos se deterioraram na eleição pela desconfiança dos mercados em relação a Lula.
Rebelo -
A preocupação era em relação ao passivo dos oito anos do governo FHC. Qualquer governo enfrentaria dificuldade. Isso foi agravado pelo então presidente FHC, que chegou a falar em "argentinização". Isso nos obrigou a usar remédio amargo, mas com confiança na cura.

Folha - Economistas dizem que esse "remédio amargo" é cópia da receita do governo anterior, que o sr. e o PT combatiam. Não é contradição aplicar a mesma receita?
Rebelo -
Não se pode julgar aquele que conduz um carro pelas manobras que tem de fazer para escapar de um acidente. Deve julgar pelo objetivo atingido e pela rota traçada. A nossa agenda não é ortodoxa. Não tem como objetivo viver de taxas de juros, mas retomar o crescimento econômico para gerar emprego...

Folha - Até agora os números mostram que a economia está estagnada. FHC dizia que a finalidade da sua política era crescimento sustentado, mas ficou prisioneiro de uma armadilha para agradar o mercado. Os srs. estão presos?
Rebelo -
Não. A política econômica de FHC criou um país mais vulnerável. Nós estamos no caminho para corrigir isso.

Folha - O que o governo faz de diferente para permitir isso?
Rebelo -
Faremos as duas reformas, que o governo anterior não conseguiu. E vamos sair da atual fase, que é de transição.

Folha - O que une o PC do B ao PP de Maluf para estarem juntos no governo Lula?
Rebelo -
Se pudesse resumir o lema do governo Lula seria: unir o Brasil para mudar o Brasil. Quando mais o Brasil mudou foi quando mais ele esteve unido. Nossa história mostra isso.

Folha - É pragmatismo para ter votos no Congresso?
Rebelo -
Não é. Temos identidade com o PP do Maluf.

Folha - Que identidade é essa? Rebelo - O PP do Maluf tem uma base no setor agrícola preocupada com o desenvolvimento, com a ampliação do nosso mercado interno e do comércio exterior e, portanto, preocupada com a geração de emprego e renda. Essas são preocupações do governo.

Folha - O PP e o PMDB, que apóiam o governo, estavam com FHC. Por que o sr. e o PT criticavam a aliança com o governo anterior?
Rebelo -
Eles estavam no navio, mas não estava na ponte de comando. Talvez estivessem no porão. Na ponte de comando do navio Brasil tem alguém que transmite confiança e que tem capacidade de agregar efetiva.

Folha - 30 deputados do PT se rebelaram contra a política econômica. Os radicais cobram coerência com o passado. Brizola já disse que Lula mudou de lado. Como lidar com isso? O governo vai aumentar a dependência de alianças ao centro e à direita?
Rebelo -
O manifesto dos deputados defende o que o governo defende e é oposição às reformas. O que talvez eles não compreendam é que nós vamos ter o momento exato em que a transição para essa retomada do crescimento vai estar concluída. Nesse caso, vejo certa manifestação de voluntarismo, que não é uma coisa estranha à história nem à tradição de setores da esquerda.

Folha - Essa esquerda empurra o governo para a direita, em busca de apoio no Congresso?
Rebelo -
Não. Na hora decisiva, a base estará coesa e votando com o governo. Não misturamos as críticas de alguns setores, como é o caso do manifesto dos deputados, que fizeram crítica circunscrita à política econômica, com outras atitudes que indicam um equívoco político mais profundo e recorrente de setores da esquerda ao longo da história do Brasil.
Se há na esquerda quem imagine que a alternativa é construir uma oposição de esquerda ao governo Lula vai reproduzir os mesmos equívocos que a esquerda incorreu em 30, em 54 e 64, com consequências muito ruins. Quando há um governo progressista, o equívoco de setores da esquerda é achar que já podem superá-lo, construindo uma oposição mais à esquerda e, aí sim, abrindo caminho para o fortalecimento da oposição conservadora.

Folha - Brizola e os radicais do PT cometem esse erro?
Rebelo -
Brizola, um patriota e um patrimônio pela luta e pelos direitos do povo, talvez não tenha compreendido o significado do governo Lula. Os chamados radicais também talvez não.



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