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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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NO PLANALTO

As angústias de um ministro sem rosto

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Outrora falante, caiu de amores pelo silêncio. Relutou em receber o repórter. Fez exigências. Nada de gravador nem de bloco de anotações. Falaria, mas só "em off". Vem de "off the record". Um jargão jornalístico. Algo que o entrevistado diz ao entrevistador para alertá-lo de que, se publicar o nome dele, nega tudo.
Aceita a cláusula de anonimato, abriu o coração. Disse que topou integrar o elenco do governo Lula sem pretensões de virar protagonista. Só não contava com o papel de figurante. É como se sente: "um figurante no cenário ermo da Esplanada".
Trazia entre os dedos uma caneta vermelha. Gosta de rabiscar enquanto fala. Em meio a garatujas, deitou sobre a folha branca um nome: Drummond. Provocado, explicou-se.
Tempera o expediente no ministério com leituras amenas. Poemas e contos. Um no período matutino, outro no vespertino. Em expedição de arqueologia literária, desencavou na estante de casa um livro de Drummond - "De Notícias e Não-notícias faz-se a Crônica" (Editora Record, 1987).
Puxou o volume da gaveta. Abriu-o na página 69. Apontou para o título: "Serás Ministro". Leu o texto em voz alta para o repórter. Começa com um diálogo:
"Esse vai ser ministro", sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.
"E você, com esse ordenado micho de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro?", duvidou a mãe.
"Então, só porque meu ordenado é micho ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato e chegou a presidente dos Estados Unidos."
"Isso foi nos Estados Unidos."
"E daí? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero que seja ministro."
[...]
No batizado, ao enunciar o nome do filho, o personagem de Drummond proclamou: "Ministro". O padre estranhou: "Como?". E o pai, sem hesitação: "Ministro, sim senhor". A mulher tentou corrigir: "Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?" Era tarde.
Auxiliar de Lula, uma versão tapuia de Lincoln, o interlocutor do repórter disse que, hoje, pai nenhum ousaria idealizar um futuro de ministro para o filho. Nem em crônica. "Não é mais honraria, é praga."
Em tom aziago, maldisse a própria sorte. Convive com a "ilusão" de que comanda um ministério. Na verdade, seu poder efetivo não vai além da porta do gabinete. Virando a maçaneta, sua força se dissipa nas sílabas de uma palavra "indigesta": con-tin-gen-ci-a-men-to.
Queixou-se ao Planalto. Não se faz revolução com superávit fiscal de 4,25%, impossível tirar ideais do papel com cortes orçamentários de R$ 14 bilhões. Responderam-lhe assim: "Seja criativo". Pensou em demissão. Foi demovido por um colega.
Na opinião do ministro sem rosto, o primeiro escalão de Lula só tem duas faces: a de Antonio Palocci Filho (Fazenda) e a de José Dirceu (Casa Civil). Os outros são meros "administradores do efêmero". Rebolam para não ficar "ridículos". Daí o silêncio ensurdecedor que se ouve em parte da Esplanada.
Abatido, o ministro sem cara pensa em ceder a própria vaga para que Lula a ofereça ao PMDB. Despediu-se do repórter com uma frase e uma promessa. A frase: "Não achei minha biografia no lixo". A promessa: "Talvez voltemos a conversar. Sem o off".



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