|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Elio Gaspari
O STF brilha, mas a toga é coisa sóbria
Ministro do Supremo não deve organizar eventos nem se
atribuir iniciativas que são do Executivo
|
POUCAS VEZES em sua
história o Supremo
Tribunal Federal viveu
momentos de esplendor semelhantes aos dos julgamentos da constitucionalidade
das pesquisas com células-tronco e da denúncia da quadrilha dos 40 do mensalão.
Brilhou como instituição defensora das leis e, sobretudo,
como uma casa que extrai
justiça e inteligência da controvérsia.
Exatamente por isso, seus
juízes devem evitar programas de aceleração da notoriedade e de expansão de
suas atribuições. Quando
três ministros, acompanhados pelos holofotes, foram
aos matagais de Roraima para estudar a questão da reserva indígena Raposa/Serra do
Sol, houve um exagero cenográfico. Ministro do Supremo só deve fazer diligência
sem bulha nem matinada.
No julgamento das células-tronco, o ministro Carlos Alberto Direito sugeriu que as
pesquisas sejam autorizadas
por "órgão federal integrado
por equipe multidisciplinar"
de diversos especialistas, inclusive de "outras áreas do saber, como o direito, a sociologia, a teologia, a ética e a matemática". Tudo bem que o ministro se aconselhe com doutores em teologia, mas um cidadão que compartilha muitos de seus valores, sem a graça de sua fé cristã, fica no direito de achar que ele teve um lampejo iraniano, associando
decisões de pesquisas científicas à sabedoria de aiatolás.
RACHID QUER RETOCAR A FOTO RUIM
No último dia 21, o ministro
Guido Mantega pôs para fora
da Receita Federal os auditores Sandro Martins Silva e
Paulo Baltazar, acusados, desde 1995, de terem um pé no fisco e outro num escritório de
consultoria que defendia os
interesses de empresas acusadas de sonegação. Nessa dupla
militância ganharam R$ 26
milhões (R$ 18,3 milhões só da
construtora OAS). O prejuízo
da Viúva pode ter ficado em
R$ 2 bilhões.
O caso foi tratado aqui, com
duas informações adicionais.
Uma revelava que Sandro
Martins estivera aninhado "na
equipe do secretário Jorge Rachid, como assessor especial".
Outra dava conta de que "dois
funcionários que lidavam com
o caso (na Receita) perderam
os cargos".
O doutor Rachid decidiu
corrigir as duas informações, e
a Receita disse o seguinte:
1) "Sandro Martins Silva não
exerceu cargo de confiança
durante a administração do
atual secretário." (Sandro aninhou-se na Assessoria Especial, mas não foi assessor especial como assessor especial.
Pela confiança que merecia de
Rachid, "teve exercício na Assessoria Especial, sem ocupação de cargo em comissão ou
função gratificada", até "20 de
julho de 2003". Quem disse isso -e assinou- foi Jorge Rachid, em 2005. O doutor assumiu a Secretaria da Receita em
janeiro de 2003).
2) "Ao contrário do que foi
afirmado na matéria, nenhum
dos servidores que atuaram na
investigação da Receita Federal perdeu seu cargo." (Dois
auditores deixaram a investigação, mas admita-se que não
se pode dizer que eles "perderam os cargos". Houve um terceiro caso, o de Deomar de
Moraes. Ao assumir a Secretaria da Receita, Rachid manteve-o na função de coordenador-geral de Pesquisa e Investigação. Vinte e cinco dias depois, defenestrou-o. Até hoje
Deomar não soube porque
perdeu a confiança do secretário em tão pouco tempo.
À época, a investigação das
malfeitorias de Martins e Baltazar estava a cargo do corregedor da Receita, Moacir
Leão. É ele quem afirma: "Eu
tive a impressão de que o Deomar foi demitido porque colaborou comigo nessa investigação".)
Deomar encaminhara a
Leão documentos que incriminavam a dupla.
CLÍNICA MEIRELLES
De um hipocondríaco que
observa a economia brasileira:
"O governo Lula virou um hospital onde, sejam quais forem os
sintomas do doente, receita-se
um regime de superalimentação
e repouso. Quando as pessoas
pioram, são enviadas ao único
serviço que funciona. É o departamento de quimioterapia do
doutor Henrique Meirelles. Ele
só tem um remédio na prateleira,
juros altos".
PEIXE NA REDE
Uma primeira observação do
material recolhido pelo Ministério Público Federal nos esquemas
da nobiliarquia dos Garotinho sugere que o número de parlamentares estaduais e federais envolvidos pode chegar a 20. Dando-se
um desconto de 50%, seriam dez.
ARMÊNIO, 90
Hoje não é um domingo qualquer. Festejam-se em São Paulo
os 90 anos de Armênio Guedes
com sua vida de amigos, militância no Partido Comunista (seis
décadas) e muito cuidado para
não ser apanhado pela polícia
(nove anos de exílio entre 1971 e
1980). Sereno, leal e irônico, Armênio viu de tudo. Tendo tanto a
contar, raramente fala de si. Sua
forma extrema de maledicência é
o silêncio. Na semana passada,
estava procurando cópias de um
diálogo de Cícero (106-43 a.C.)
onde ele ensinou que na amizade
está a suprema harmonia das coisas divinas e humanas.
DEGRADOU
Nosso Guia acredita que em
poucos meses restabelece a relação de cordialidade e afeto que
sempre teve com Marina Silva.
Pode ser, mas a expressão da
senhora diante de seus gracejos
durante a transmissão do cargo
de Ministro do Meio Ambiente
sugere que a área ficou muito
desmatada.
SANTA PEIXEIRA
O novo presidente da Comissão de Ética da Câmara, deputado Sérgio Moraes (PTB-RS)
cometeu dois erros ao tentar
procrastinar o processo de seu
colega Paulo Pereira da Silva
(PDT-SP). Primeiro achou que
a peixeira do deputado Inocêncio de Oliveira é enfeite. Depois, pensou que o relatório da
Polícia Federal é de brincadeirinha. Ou o doutor demonstra
que está na cadeira para fazer o
seu serviço a sério, ou virará
hambúrguer. Lendo o relatório
que recebeu, entenderá melhor sua posição.
A OUTRA DUPLA
Se Barack Obama e Hillary
Clinton vierem a formar a chapa Democrata (o que parece difícil), não serão o primeiro caso
de uma mulher e um negro disputando juntos a Casa Branca.
Em 1872, o Partido da Igualdade dos Direitos lançou uma dupla fantástica. Victoria Woodhull (1838-1927) disputou a Presidência com Frederick
Douglass na vice. Ela foi curandeira, defendeu a liberdade sexual e ficou milionária depois
de se tornar a primeira mulher
a dirigir uma corretora em
Wall Street. É verdade que o fato de ser namorada do magnata
ferroviário Cornelius Vanderbilt ajudou, mas isso é outra
história.
Victoria Woodhull lançou-se
numa época em que as mulheres não podiam votar. Sua candidatura não foi registrada e, se
ela teve mil votos, foi muito.
O vice Frederick Douglass
(1818-1895) foi um dos maiores
negros americanos do século
19. Nasceu de pai desconhecido, foi escravo fujão e assessorou Abraham Lincoln. Grande
orador, na velhice ficou parecido com Karl Marx, por causa da
cabeleira e da barba.
Texto Anterior: Penitenciárias do país abrigam 581 índios; MS lidera o ranking Próximo Texto: Contratos suspeitos já não estão com Estado Índice
|