São Paulo, domingo, 01 de junho de 2008

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Elio Gaspari

O STF brilha, mas a toga é coisa sóbria


Ministro do Supremo não deve organizar eventos nem se atribuir iniciativas que são do Executivo

POUCAS VEZES em sua história o Supremo Tribunal Federal viveu momentos de esplendor semelhantes aos dos julgamentos da constitucionalidade das pesquisas com células-tronco e da denúncia da quadrilha dos 40 do mensalão. Brilhou como instituição defensora das leis e, sobretudo, como uma casa que extrai justiça e inteligência da controvérsia.
Exatamente por isso, seus juízes devem evitar programas de aceleração da notoriedade e de expansão de suas atribuições. Quando três ministros, acompanhados pelos holofotes, foram aos matagais de Roraima para estudar a questão da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, houve um exagero cenográfico. Ministro do Supremo só deve fazer diligência sem bulha nem matinada.
No julgamento das células-tronco, o ministro Carlos Alberto Direito sugeriu que as pesquisas sejam autorizadas por "órgão federal integrado por equipe multidisciplinar" de diversos especialistas, inclusive de "outras áreas do saber, como o direito, a sociologia, a teologia, a ética e a matemática". Tudo bem que o ministro se aconselhe com doutores em teologia, mas um cidadão que compartilha muitos de seus valores, sem a graça de sua fé cristã, fica no direito de achar que ele teve um lampejo iraniano, associando decisões de pesquisas científicas à sabedoria de aiatolás.

RACHID QUER RETOCAR A FOTO RUIM

No último dia 21, o ministro Guido Mantega pôs para fora da Receita Federal os auditores Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar, acusados, desde 1995, de terem um pé no fisco e outro num escritório de consultoria que defendia os interesses de empresas acusadas de sonegação. Nessa dupla militância ganharam R$ 26 milhões (R$ 18,3 milhões só da construtora OAS). O prejuízo da Viúva pode ter ficado em R$ 2 bilhões.
O caso foi tratado aqui, com duas informações adicionais. Uma revelava que Sandro Martins estivera aninhado "na equipe do secretário Jorge Rachid, como assessor especial". Outra dava conta de que "dois funcionários que lidavam com o caso (na Receita) perderam os cargos".
O doutor Rachid decidiu corrigir as duas informações, e a Receita disse o seguinte:
1) "Sandro Martins Silva não exerceu cargo de confiança durante a administração do atual secretário." (Sandro aninhou-se na Assessoria Especial, mas não foi assessor especial como assessor especial. Pela confiança que merecia de Rachid, "teve exercício na Assessoria Especial, sem ocupação de cargo em comissão ou função gratificada", até "20 de julho de 2003". Quem disse isso -e assinou- foi Jorge Rachid, em 2005. O doutor assumiu a Secretaria da Receita em janeiro de 2003).
2) "Ao contrário do que foi afirmado na matéria, nenhum dos servidores que atuaram na investigação da Receita Federal perdeu seu cargo." (Dois auditores deixaram a investigação, mas admita-se que não se pode dizer que eles "perderam os cargos". Houve um terceiro caso, o de Deomar de Moraes. Ao assumir a Secretaria da Receita, Rachid manteve-o na função de coordenador-geral de Pesquisa e Investigação. Vinte e cinco dias depois, defenestrou-o. Até hoje Deomar não soube porque perdeu a confiança do secretário em tão pouco tempo.
À época, a investigação das malfeitorias de Martins e Baltazar estava a cargo do corregedor da Receita, Moacir Leão. É ele quem afirma: "Eu tive a impressão de que o Deomar foi demitido porque colaborou comigo nessa investigação".)
Deomar encaminhara a Leão documentos que incriminavam a dupla.

CLÍNICA MEIRELLES
De um hipocondríaco que observa a economia brasileira: "O governo Lula virou um hospital onde, sejam quais forem os sintomas do doente, receita-se um regime de superalimentação e repouso. Quando as pessoas pioram, são enviadas ao único serviço que funciona. É o departamento de quimioterapia do doutor Henrique Meirelles. Ele só tem um remédio na prateleira, juros altos".

PEIXE NA REDE
Uma primeira observação do material recolhido pelo Ministério Público Federal nos esquemas da nobiliarquia dos Garotinho sugere que o número de parlamentares estaduais e federais envolvidos pode chegar a 20. Dando-se um desconto de 50%, seriam dez.

ARMÊNIO, 90
Hoje não é um domingo qualquer. Festejam-se em São Paulo os 90 anos de Armênio Guedes com sua vida de amigos, militância no Partido Comunista (seis décadas) e muito cuidado para não ser apanhado pela polícia (nove anos de exílio entre 1971 e 1980). Sereno, leal e irônico, Armênio viu de tudo. Tendo tanto a contar, raramente fala de si. Sua forma extrema de maledicência é o silêncio. Na semana passada, estava procurando cópias de um diálogo de Cícero (106-43 a.C.) onde ele ensinou que na amizade está a suprema harmonia das coisas divinas e humanas.

DEGRADOU
Nosso Guia acredita que em poucos meses restabelece a relação de cordialidade e afeto que sempre teve com Marina Silva. Pode ser, mas a expressão da senhora diante de seus gracejos durante a transmissão do cargo de Ministro do Meio Ambiente sugere que a área ficou muito desmatada.

SANTA PEIXEIRA
O novo presidente da Comissão de Ética da Câmara, deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) cometeu dois erros ao tentar procrastinar o processo de seu colega Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Primeiro achou que a peixeira do deputado Inocêncio de Oliveira é enfeite. Depois, pensou que o relatório da Polícia Federal é de brincadeirinha. Ou o doutor demonstra que está na cadeira para fazer o seu serviço a sério, ou virará hambúrguer. Lendo o relatório que recebeu, entenderá melhor sua posição.

A OUTRA DUPLA
Se Barack Obama e Hillary Clinton vierem a formar a chapa Democrata (o que parece difícil), não serão o primeiro caso de uma mulher e um negro disputando juntos a Casa Branca. Em 1872, o Partido da Igualdade dos Direitos lançou uma dupla fantástica. Victoria Woodhull (1838-1927) disputou a Presidência com Frederick Douglass na vice. Ela foi curandeira, defendeu a liberdade sexual e ficou milionária depois de se tornar a primeira mulher a dirigir uma corretora em Wall Street. É verdade que o fato de ser namorada do magnata ferroviário Cornelius Vanderbilt ajudou, mas isso é outra história.
Victoria Woodhull lançou-se numa época em que as mulheres não podiam votar. Sua candidatura não foi registrada e, se ela teve mil votos, foi muito.
O vice Frederick Douglass (1818-1895) foi um dos maiores negros americanos do século 19. Nasceu de pai desconhecido, foi escravo fujão e assessorou Abraham Lincoln. Grande orador, na velhice ficou parecido com Karl Marx, por causa da cabeleira e da barba.


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