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PAÍS NO ESCURO
Segundo pesquisa Datafolha, 70% acreditam que inflação vai subir; para 72%, desemprego aumentará
Pioram as expectativas em relação ao país
MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O orgulho de ser brasileiro é um
sentimento em baixa. No retrato
traçado pelo Datafolha na semana
passada, um certo baixo astral é
embalado pelo aumento do pessimismo com a situação econômica
do país e a situação individual dos
entrevistados.
Entrevistas feitas com 12.601
pessoas em 348 cidades do país
traduzem esse sentimento como
um temor mais acentuado dos
brasileiros em perder duas coisas:
o emprego e o poder de compra
de seus salários.
Os números apontados pela
pesquisa só encontram paralelo
durante o governo Fernando
Henrique Cardoso no período
que se seguiu à desvalorização do
real, ocorrida em janeiro de 1999,
quando o governo foi constrangido a abrir mão do câmbio fixo.
Entre as expectativas negativas,
o medo de volta da inflação é o
que mais chama a atenção. A taxa
medida na última pesquisa Datafolha é a mais elevada em quase
oito anos.
A expectativa generalizada é de
que os preços deverão aumentar.
Ela só foi tão grande quanto agora
na época em que o Plano Real
nem passava de um esboço e os
tucanos mal sonhavam em chegar
ao Planalto.
Na semana passada, 70% dos
entrevistados apostaram que a inflação vai aumentar, contra apenas 4% que achavam que os preços vão diminuir.
Essa avaliação é um recorde
desde agosto de 93, quando FHC
só contava três meses à frente do
Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco. Só para comparar, quando o Real foi lançado,
em julho de 94, apenas 14% dos
entrevistados acreditavam em aumento de preços.
O sentimento detectado pela
pesquisa ganhou carimbo de previsão oficial no último relatório de
inflação divulgado anteontem pelo Banco Central. A previsão oficial de inflação aumentou um
ponto percentual desde março e
deverá bater em 5,8% em 2001.
Ainda de acordo com o BC, há
40% de chances de a inflação ultrapassar a meta de 6% até o fim
deste ano.
A principal reação ao aumento
da inflação percebido pelos entrevistados é um aperto no consumo: 41% dos que responderam à
pesquisa disseram que pretendem consumir menos nos próximos seis meses.
No fim de 99, ainda sob o efeito
da desvalorização do real, 27%
dos entrevistados davam a mesma resposta. Agora, a pretensão
de aumentar o consumo não chega a animar nem a quinta parte da
população.
E como anda a esperança de que
a situação econômica vai melhorar? Em baixa, diz a pesquisa: 44%
acham que a situação vai é piorar,
dez pontos percentuais a mais do
que o contingente que engrossava
essa aposta há apenas três meses.
Principal problema
A crise energética -apontada
como responsável pela queda no
ritmo de crescimento da economia e como uma das principais
causas do fôlego tomado pela inflação- está distante de representar a principal preocupação
dos brasileiros, segundo a mais
recente pesquisa Datafolha.
No topo da lista de problemas
percebidos no país, permanece,
imbatível, o desemprego, mencionado por 33% dos entrevistados, sobretudo entre jovens e no
Nordeste.
A crise energética apareceu pela
primeira vez na última pesquisa
entre as respostas espontâneas, citada como o principal problema
por 6% dos entrevistados.
Nota-se que a crise de energia
tem um peso maior em Belo Horizonte entre as dez capitais pesquisadas pelo Datafolha.
Justamente no Estado governado por Itamar Franco (PMDB),
um dos principais críticos do racionamento e do modelo energético do governo.
De acordo com a pesquisa, menos gente percebe a saúde, a educação, o salário ou mesmo a segurança como maior problema de
responsabilidade do governo federal. Mas aumentou o número
de pessoas preocupadas com a
corrupção: de 2% para 5% nos últimos três meses -período em
que o governo conseguiu deter a
abertura de uma CPI da corrupção no Congresso. Foi a maior taxa desde junho de 96.
Curiosamente, só 1% dos entrevistados apontaram a inflação como maior problema do país. O
que mais cresceu foi a preocupação com a fome e a miséria. Em
três meses, passou de 6% para
14% o percentual de entrevistados
que apontam esses como os principais problemas do país.
As consequências sociais do cenário econômico pouco azul podem explicar o aumento, ainda
que discreto, dos que sentem vergonha de serem brasileiros.
Menos gente acha que o Brasil é
um "país maravilhoso", ótimo lugar para se viver. Mas trata-se de
um sentimento discreto: 78% dos
entrevistados ainda dizem ter
mais orgulho que vergonha, contra 87% que tinham a mesma opinião em março do ano passado.
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