São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAÍS NO ESCURO
Segundo pesquisa Datafolha, 70% acreditam que inflação vai subir; para 72%, desemprego aumentará

Pioram as expectativas em relação ao país

MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O orgulho de ser brasileiro é um sentimento em baixa. No retrato traçado pelo Datafolha na semana passada, um certo baixo astral é embalado pelo aumento do pessimismo com a situação econômica do país e a situação individual dos entrevistados.
Entrevistas feitas com 12.601 pessoas em 348 cidades do país traduzem esse sentimento como um temor mais acentuado dos brasileiros em perder duas coisas: o emprego e o poder de compra de seus salários.
Os números apontados pela pesquisa só encontram paralelo durante o governo Fernando Henrique Cardoso no período que se seguiu à desvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, quando o governo foi constrangido a abrir mão do câmbio fixo.
Entre as expectativas negativas, o medo de volta da inflação é o que mais chama a atenção. A taxa medida na última pesquisa Datafolha é a mais elevada em quase oito anos.
A expectativa generalizada é de que os preços deverão aumentar. Ela só foi tão grande quanto agora na época em que o Plano Real nem passava de um esboço e os tucanos mal sonhavam em chegar ao Planalto.
Na semana passada, 70% dos entrevistados apostaram que a inflação vai aumentar, contra apenas 4% que achavam que os preços vão diminuir.
Essa avaliação é um recorde desde agosto de 93, quando FHC só contava três meses à frente do Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco. Só para comparar, quando o Real foi lançado, em julho de 94, apenas 14% dos entrevistados acreditavam em aumento de preços.
O sentimento detectado pela pesquisa ganhou carimbo de previsão oficial no último relatório de inflação divulgado anteontem pelo Banco Central. A previsão oficial de inflação aumentou um ponto percentual desde março e deverá bater em 5,8% em 2001.
Ainda de acordo com o BC, há 40% de chances de a inflação ultrapassar a meta de 6% até o fim deste ano.
A principal reação ao aumento da inflação percebido pelos entrevistados é um aperto no consumo: 41% dos que responderam à pesquisa disseram que pretendem consumir menos nos próximos seis meses.
No fim de 99, ainda sob o efeito da desvalorização do real, 27% dos entrevistados davam a mesma resposta. Agora, a pretensão de aumentar o consumo não chega a animar nem a quinta parte da população.
E como anda a esperança de que a situação econômica vai melhorar? Em baixa, diz a pesquisa: 44% acham que a situação vai é piorar, dez pontos percentuais a mais do que o contingente que engrossava essa aposta há apenas três meses.

Principal problema
A crise energética -apontada como responsável pela queda no ritmo de crescimento da economia e como uma das principais causas do fôlego tomado pela inflação- está distante de representar a principal preocupação dos brasileiros, segundo a mais recente pesquisa Datafolha.
No topo da lista de problemas percebidos no país, permanece, imbatível, o desemprego, mencionado por 33% dos entrevistados, sobretudo entre jovens e no Nordeste.
A crise energética apareceu pela primeira vez na última pesquisa entre as respostas espontâneas, citada como o principal problema por 6% dos entrevistados.
Nota-se que a crise de energia tem um peso maior em Belo Horizonte entre as dez capitais pesquisadas pelo Datafolha.
Justamente no Estado governado por Itamar Franco (PMDB), um dos principais críticos do racionamento e do modelo energético do governo.
De acordo com a pesquisa, menos gente percebe a saúde, a educação, o salário ou mesmo a segurança como maior problema de responsabilidade do governo federal. Mas aumentou o número de pessoas preocupadas com a corrupção: de 2% para 5% nos últimos três meses -período em que o governo conseguiu deter a abertura de uma CPI da corrupção no Congresso. Foi a maior taxa desde junho de 96.
Curiosamente, só 1% dos entrevistados apontaram a inflação como maior problema do país. O que mais cresceu foi a preocupação com a fome e a miséria. Em três meses, passou de 6% para 14% o percentual de entrevistados que apontam esses como os principais problemas do país.
As consequências sociais do cenário econômico pouco azul podem explicar o aumento, ainda que discreto, dos que sentem vergonha de serem brasileiros.
Menos gente acha que o Brasil é um "país maravilhoso", ótimo lugar para se viver. Mas trata-se de um sentimento discreto: 78% dos entrevistados ainda dizem ter mais orgulho que vergonha, contra 87% que tinham a mesma opinião em março do ano passado.


Texto Anterior: Governo no escuro: Crise cambial afetou FHC mais que apagão
Próximo Texto: Análise: Estabilidade sobre base frágil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.