|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Era uma vez uma ilha
A maturidade e a qualificação do Senado, em relação à Câmara, era ilusória, só falta de oportunidade para exibição
|
O SERVIÇO que o senador Renan Calheiros e seu agentes
prestam ao país, revivendo
antecessores como Jarbas Passarinho, Eurico Resende e os outros que
também no Senado mandavam "às
favas os escrúpulos", não está entendido em sua plena utilidade.
Calheiros & associados demonstram que a visão mais difundida do
Senado, há tantos anos básica em
nossa idéia da dinâmica política e do
sistema legislativo brasileiros, está
errada. A maturidade e a qualificação do Senado, em relação à Câmara
do mensalão e dos multiformes severinos, era ilusória, apenas falta de
oportunidade para a exibição.
Não podia ser de outro modo, na
realidade. Mas não era preciso o salto direto do ilusionismo para o deboche insultuoso. Excrescência são
compreensíveis, a presença de um
Joaquim Roriz no Senado se explica
pelo inexplicável do Judiciário, mas
a entrega da presidência do Conselho de Ética está muito além da falsificação de notas fiscais, de venda fictícia de rebanho, de mensalidade
proveniente de empreiteira.
Os feitos que recaem sobre o escolhido senador Leomar Quintanilha
(malufista que transitou no PFL e
no PC do B, até penetrar os muros
do PMDB de Calheiros), no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria Geral da República, incluem
corrupção como parlamentar, estelionato, fraude, peculato, formação
de quadrilha e mais habilidades. O
processo em que tem a companhia
do colega senador João Ribeiro,
também do Tocantins, está no STF
há cerca de dois anos.
Há um complemento ao serviço
de Renan Calheiros & associados,
oferecido pela oposição no Senado: a
falta de reação à altura da entrega do
Conselho de Ética a uma pessoa
com a ficha de Leomar Quintanilha
nos inquéritos e processos. Não importa se já condenada ou não, admitir tal pessoa como representante
maior da ética do Senado equivale a
desobrigar-se da própria ética.
Umas poucas palavrinhas de crítica
à escolha, como se viu e ouviu, mais
revelam do que disfarçam a falta de
atitude.
Assim como a declaração de solidariedade de Lula a Renan Calheiros, ainda que não toque em inverdades e fraudulências de pretensa
defesa, aprova o que quer que o senador tenha feito para saldar compromissos e, depois, para evitar a investigação do que tenha feito. O chavão de Lula, o da presunção de inocência até sentença condenatória,
não escapa de uma destas duas fontes: ou Lula quer confundir, lançando a culpa sobre quem pede investigação, ou Lula ainda não sabe que
pedido de investigação inclui também a possibilidade de inocência,
ou, do contrário, o pedido e a investigação não teriam sentido.
Ninguém faria o que têm feito Renan Calheiros e seus associados, entre os quais estão eminências do PT,
se não precisassem muito impedir
que seja investigada a veracidade
dos documentos e alegações do senador em sua defesa. Precisam ganhar tempo enquanto fazem novos
arranjos para atenuar a precariedade dos documentos e afirmações
apresentados (há notícia de caminhões levando muito gado à fazenda
de Calheiros, o que lembra a disparidade nas quantificações do seu milagroso rebanho). Ou ganhar tempo
até a chegada do recesso, daqui a
duas semanas e meia. O decisivo para Renan Calheiros & associados é
evitar investigação com alguma seriedade, o demais é vale tudo.
Dizia-se que o Senado era uma
ilha em Brasília.
Texto Anterior: Tropa de choque se esforça para salvar mandato de Renan Próximo Texto: 76% não confiam no Congresso, diz pesquisa Índice
|