São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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JANIO DE FREITAS

Era uma vez uma ilha


A maturidade e a qualificação do Senado, em relação à Câmara, era ilusória, só falta de oportunidade para exibição

O SERVIÇO que o senador Renan Calheiros e seu agentes prestam ao país, revivendo antecessores como Jarbas Passarinho, Eurico Resende e os outros que também no Senado mandavam "às favas os escrúpulos", não está entendido em sua plena utilidade.
Calheiros & associados demonstram que a visão mais difundida do Senado, há tantos anos básica em nossa idéia da dinâmica política e do sistema legislativo brasileiros, está errada. A maturidade e a qualificação do Senado, em relação à Câmara do mensalão e dos multiformes severinos, era ilusória, apenas falta de oportunidade para a exibição.
Não podia ser de outro modo, na realidade. Mas não era preciso o salto direto do ilusionismo para o deboche insultuoso. Excrescência são compreensíveis, a presença de um Joaquim Roriz no Senado se explica pelo inexplicável do Judiciário, mas a entrega da presidência do Conselho de Ética está muito além da falsificação de notas fiscais, de venda fictícia de rebanho, de mensalidade proveniente de empreiteira.
Os feitos que recaem sobre o escolhido senador Leomar Quintanilha (malufista que transitou no PFL e no PC do B, até penetrar os muros do PMDB de Calheiros), no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria Geral da República, incluem corrupção como parlamentar, estelionato, fraude, peculato, formação de quadrilha e mais habilidades. O processo em que tem a companhia do colega senador João Ribeiro, também do Tocantins, está no STF há cerca de dois anos.
Há um complemento ao serviço de Renan Calheiros & associados, oferecido pela oposição no Senado: a falta de reação à altura da entrega do Conselho de Ética a uma pessoa com a ficha de Leomar Quintanilha nos inquéritos e processos. Não importa se já condenada ou não, admitir tal pessoa como representante maior da ética do Senado equivale a desobrigar-se da própria ética. Umas poucas palavrinhas de crítica à escolha, como se viu e ouviu, mais revelam do que disfarçam a falta de atitude.
Assim como a declaração de solidariedade de Lula a Renan Calheiros, ainda que não toque em inverdades e fraudulências de pretensa defesa, aprova o que quer que o senador tenha feito para saldar compromissos e, depois, para evitar a investigação do que tenha feito. O chavão de Lula, o da presunção de inocência até sentença condenatória, não escapa de uma destas duas fontes: ou Lula quer confundir, lançando a culpa sobre quem pede investigação, ou Lula ainda não sabe que pedido de investigação inclui também a possibilidade de inocência, ou, do contrário, o pedido e a investigação não teriam sentido.
Ninguém faria o que têm feito Renan Calheiros e seus associados, entre os quais estão eminências do PT, se não precisassem muito impedir que seja investigada a veracidade dos documentos e alegações do senador em sua defesa. Precisam ganhar tempo enquanto fazem novos arranjos para atenuar a precariedade dos documentos e afirmações apresentados (há notícia de caminhões levando muito gado à fazenda de Calheiros, o que lembra a disparidade nas quantificações do seu milagroso rebanho). Ou ganhar tempo até a chegada do recesso, daqui a duas semanas e meia. O decisivo para Renan Calheiros & associados é evitar investigação com alguma seriedade, o demais é vale tudo.
Dizia-se que o Senado era uma ilha em Brasília.


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