São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIPLOMACIA

Para assessores brasileiro e argentino, fato de presidente vizinho ter ido a Brasília, mesmo sem ficar para reunião, é valorizado

Kirchner deixa cúpula e é criticado por Lula

DA ENVIADA A BRASÍLIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DE BUENOS AIRES


Assim como já havia ocorrido em maio passado, durante a Cúpula América do Sul-Países Árabes, o presidente argentino, Néstor Kirchner, deixou ontem de forma antecipada a primeira reunião de chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, contribuindo ainda mais para o esvaziamento do evento.
Kirchner nem participou da reunião. Sua passagem por Brasília se restringiu a um jantar anteontem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o venezuelano Hugo Chávez, com quem assinou acordos bilaterais.
Ontem, assessores do Planalto tentaram minimizar a ausência do argentino. Irritado com o questionamento da imprensa e irônico, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse: "Vocês [repórteres] escrevam o que vocês quiserem. Kirchner voltou porque tinha compromissos eleitorais na Argentina".
Lula, porém, decidiu não poupá-lo de críticas, mesmo que de forma indireta e sem citá-lo. Primeiro, na abertura de reunião da recém-criada Casa (Comunidade Sul-Americana de Nações), atacou os líderes que ficam "confinados" em seus países.
"Sei que temos problemas e responsabilidades que exigem nossa atenção e presença cotidianas em nossos países, mas a experiência nos mostra que, em um mundo interdependente como o nosso, não podemos ficar confinados em nossas fronteiras nacionais."
Mais tarde, no encerramento da cúpula, foi mais direto. "Nem sempre a gente consegue fazer o debate político, porque muitas vezes nós começamos uma reunião com 12 presidentes e a terminamos com quatro, cinco."
Outra alfinetada ocorreu por rasgados elogios ao ex-presidente argentino Eduardo Duhalde, presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul. Ele é um dos principais adversários políticos de Kirchner.

Na Argentina
Segundo o subsecretário de Integração Econômica da Argentina, Eduardo Sigal, a saída antecipada de Kirchner não causou incômodo no Brasil, já que o fato de o argentino ter ido ao encontro mesmo em meio a uma campanha eleitoral em seu país foi valorizado pela diplomacia brasileira.
Sua consideração foi feita ao jornal argentino "La Nación". "Ainda que Kirchner decida ficar menos que o esperado, o gesto de haver vindo em meio à campanha e quando o Brasil atravessa um momento delicado em termos políticos é muito valorizado pelo Itamaraty", declarou Sigal.
Segundo a imprensa local, mais tarde o assessor Marco Aurélio Garcia confirmou que a ausência de Kirchner não tinha relevância política. "Não significa que a Argentina não está comprometida com o projeto. Minha interpretação é que ele está em campanha eleitoral. Fez um enorme gesto em vir mesmo em campanha."
Os jornais argentinos deram mais destaque ao fato de o presidente argentino ter partido no mesmo dia em que Eduardo Duhalde chegou a Brasília. Em outubro, haverá eleições para renovar parte do Parlamento do país vizinho, e ambos brigam para eleger seus candidatos. Na avaliação da imprensa, as agendas de ambos teriam sido organizadas para que não se encontrassem no Brasil.
Além de um gesto de apoio a Lula, a viagem de Kirchner a Brasília teria sido feita, segundo a imprensa, com o objetivo principal de se reunir com o venezuelano Hugo Chávez, para anunciar a assinatura de um acordo.

Na cúpula
Para a reunião de ontem, o governo brasileiro convidou 11 chefes de Estado da América do Sul. Cinco deles enviaram apenas representantes (Colômbia, Uruguai, Guiana, Suriname e Argentina), entre os quais vice-presidentes, chanceleres e embaixadores. Marcaram presença os presidentes de Peru, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela e Paraguai.
O encontro dos 12 países teve como principais enfoques a discussão em torno da criação de uma área de livre comércio na América do Sul e a coordenação política na região, além da chamada conexão física pela infra-estrutura (incluindo financiamentos do BNDES). Ontem, Alejandro Toledo passou do Peru ao Brasil o comando temporário da Casa.
Em diferentes falas, Lula disse que está na "hora da ação, não da retórica", que os chefes não podem "perder a paciência" nas negociações e que atualmente é "mais otimista que a média dos seres humanos". Ao fim de seu discurso de encerramento da cúpula, disse que, em certos casos, tem viajado contrariado ao exterior. "Entretanto, como acredito que a arte da política é a arte do diálogo, é o olhar, é o pegar na mão, é a divergência, é a convergência, eu, mesmo contrariado, tenho feito muitas viagens." Neste mês, Lula passará por Portugal, Espanha, Itália e Rússia.
(LUCIANA COELHO, ANA FLOR, EDUARDO SCOLESE E MAELI PRADO)

Texto Anterior: Venezuelano diz apoiar Lula e alerta contra golpe
Próximo Texto: América Latina: Lula perde 1º lugar de líder latino, diz pesquisa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.