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DIPLOMACIA
Para assessores brasileiro e argentino, fato de presidente vizinho ter ido a Brasília, mesmo sem ficar para reunião, é valorizado
Kirchner deixa cúpula e é criticado por Lula
DA ENVIADA A BRASÍLIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DE BUENOS AIRES
Assim como já havia ocorrido
em maio passado, durante a Cúpula América do Sul-Países Árabes, o presidente argentino, Néstor Kirchner, deixou ontem de
forma antecipada a primeira reunião de chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, contribuindo ainda mais para o esvaziamento do evento.
Kirchner nem participou da
reunião. Sua passagem por Brasília se restringiu a um jantar anteontem com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e com o venezuelano Hugo Chávez, com quem
assinou acordos bilaterais.
Ontem, assessores do Planalto
tentaram minimizar a ausência
do argentino. Irritado com o
questionamento da imprensa e
irônico, o assessor especial da
Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia,
disse: "Vocês [repórteres] escrevam o que vocês quiserem. Kirchner voltou porque tinha compromissos eleitorais na Argentina".
Lula, porém, decidiu não poupá-lo de críticas, mesmo que de
forma indireta e sem citá-lo. Primeiro, na abertura de reunião da
recém-criada Casa (Comunidade
Sul-Americana de Nações), atacou os líderes que ficam "confinados" em seus países.
"Sei que temos problemas e responsabilidades que exigem nossa
atenção e presença cotidianas em
nossos países, mas a experiência
nos mostra que, em um mundo
interdependente como o nosso,
não podemos ficar confinados em
nossas fronteiras nacionais."
Mais tarde, no encerramento da
cúpula, foi mais direto. "Nem
sempre a gente consegue fazer o
debate político, porque muitas
vezes nós começamos uma reunião com 12 presidentes e a terminamos com quatro, cinco."
Outra alfinetada ocorreu por
rasgados elogios ao ex-presidente
argentino Eduardo Duhalde, presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul. Ele é um dos principais adversários políticos de Kirchner.
Na Argentina
Segundo o subsecretário de Integração Econômica da Argentina, Eduardo Sigal, a saída antecipada de Kirchner não causou incômodo no Brasil, já que o fato de
o argentino ter ido ao encontro
mesmo em meio a uma campanha eleitoral em seu país foi valorizado pela diplomacia brasileira.
Sua consideração foi feita ao
jornal argentino "La Nación".
"Ainda que Kirchner decida ficar
menos que o esperado, o gesto de
haver vindo em meio à campanha
e quando o Brasil atravessa um
momento delicado em termos
políticos é muito valorizado pelo
Itamaraty", declarou Sigal.
Segundo a imprensa local, mais
tarde o assessor Marco Aurélio
Garcia confirmou que a ausência
de Kirchner não tinha relevância
política. "Não significa que a Argentina não está comprometida
com o projeto. Minha interpretação é que ele está em campanha
eleitoral. Fez um enorme gesto
em vir mesmo em campanha."
Os jornais argentinos deram
mais destaque ao fato de o presidente argentino ter partido no
mesmo dia em que Eduardo Duhalde chegou a Brasília. Em outubro, haverá eleições para renovar
parte do Parlamento do país vizinho, e ambos brigam para eleger
seus candidatos. Na avaliação da
imprensa, as agendas de ambos
teriam sido organizadas para que
não se encontrassem no Brasil.
Além de um gesto de apoio a
Lula, a viagem de Kirchner a Brasília teria sido feita, segundo a imprensa, com o objetivo principal
de se reunir com o venezuelano
Hugo Chávez, para anunciar a assinatura de um acordo.
Na cúpula
Para a reunião de ontem, o governo brasileiro convidou 11 chefes de Estado da América do Sul.
Cinco deles enviaram apenas representantes (Colômbia, Uruguai, Guiana, Suriname e Argentina), entre os quais vice-presidentes, chanceleres e embaixadores.
Marcaram presença os presidentes de Peru, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela e Paraguai.
O encontro dos 12 países teve
como principais enfoques a discussão em torno da criação de
uma área de livre comércio na
América do Sul e a coordenação
política na região, além da chamada conexão física pela infra-estrutura (incluindo financiamentos
do BNDES). Ontem, Alejandro
Toledo passou do Peru ao Brasil o
comando temporário da Casa.
Em diferentes falas, Lula disse
que está na "hora da ação, não da
retórica", que os chefes não podem "perder a paciência" nas negociações e que atualmente é
"mais otimista que a média dos
seres humanos". Ao fim de seu
discurso de encerramento da cúpula, disse que, em certos casos,
tem viajado contrariado ao exterior. "Entretanto, como acredito
que a arte da política é a arte do
diálogo, é o olhar, é o pegar na
mão, é a divergência, é a convergência, eu, mesmo contrariado,
tenho feito muitas viagens." Neste
mês, Lula passará por Portugal,
Espanha, Itália e Rússia.
(LUCIANA COELHO, ANA FLOR, EDUARDO SCOLESE E MAELI PRADO)
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