São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Sem comer há seis dias, contra a transposição do São Francisco, religioso reza missa em Pernambuco

Bispo em greve de fome recebe carta de Lula

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou um emissário a Cabrobó para entregar hoje uma carta a dom Luiz Flávio Cappio, 58, em greve de fome há seis dias, como protesto contra o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. O teor da carta não foi divulgado. Entre outros pontos, Lula diz no documento que as obras do projeto ainda não começaram e o que está em andamento é a revitalização do rio.
O bispo iniciou sua manifestação no dia 26 e disse que o manterá "até a morte, se preciso for". Ele enviara uma carta a Lula, dizendo ser admirador dele e militante de "todas as campanhas do PT". Mas, em seguida, avisou: "Minha vida está em suas mãos".
Caberá ao assessor especial da Presidência Selvino Heck entregar a carta pessoalmente ao religioso, que desenvolve um projeto de construção de cisternas comunitárias na região. Nesta semana, a presidência da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) também enviou uma carta a Lula pedindo que o presidente reconsidere a decisão de colocar em prática a transposição.
"Apelamos para que reconsidere a decisão política que, ainda longe de um consenso na região nordestina a respeito da viabilidade e dos resultados socioambientais da transposição do rio são Francisco, divide as mentes e os corações", diz o documento.
Cappio também enviou uma carta manuscrita às paróquias. Nela, diz estar disposto a permanecer em greve de fome "para que o senhor presidente da República revogue sua disposição de realizar o projeto de transposição".
O bispo, que integra a ordem franciscana, ainda registrou em cartório sua intenção de morrer "pela vida do rio São Francisco e de seu povo". Na declaração, afirma que não quer morrer, mas que, se isso ocorrer, seu corpo deve ser enterrado "junto ao Bom Jesus dos Navegantes".

Revitalização do rio
No documento, o bispo justifica o seu protesto. Diz ser contrário à transposição porque considera prioritária a revitalização do rio e a realização, pelo governo, de "ações que garantam o verdadeiro desenvolvimento para as populações pobres do Nordeste: uma política de convivência com o semi-árido para todos, próximos e distantes do rio".
"Esperávamos do senhor [presidente] um apoio maior em favor da vida do rio e do seu povo. Esperávamos que [...] o governo revisse sua disposição de levar a cabo este projeto que carece de verdade e de transparência."
Defensor do povo ribeirinho e autor de um livro sobre o rio São Francisco, Cappio conheceu Lula em 1994, apresentado por seu então professor de teologia, frei Leonardo Boff. Com o presidente, o bispo participou da Caravana da Cidadania pelo rio São Francisco, percorrendo o curso d"água, da nascente à foz. Ele escolheu Cabrobó para promover a greve de fome por ser a cidade o ponto inicial do projeto de transposição.
O governo pretende bombear parte da água do rio para beneficiar moradores do semi-árido dos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. A obra vai custar R$ 4,5 bilhões.
Ontem, cerca de cem pessoas participaram de romaria em Cabrobó (a 600 km de Recife, PE) em homenagem ao bispo diocesano de Barra (a 610 km de Salvador, BA). O grupo foi recebido pelo religioso, que rezou uma missa. Apesar de ingerir apenas água, ele não apresenta sinais de fraqueza.


Colaborou a Sucursal de Brasília

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