São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

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ELIO GASPARI

Patativa do Assaré esteve na festa de Lula


"Tarvez ainda aconteça Que o Brasi de Cima desça. E o Brasi de Baxo suba."


NA NOITE de domingo, Nosso Guia festejou sua reeleição dizendo que "foi a vitória dos de baixo contra os de cima. É o andar de baixo que chegou lá em cima". Deu voz à alma de Patativa do Assaré, o grande poeta morto em 2002, aos 92 anos, com mais de dez secas nas costas e mil poemas na cabeça.
Patativa vivia na serra de Santana, a meia hora de Assaré, no sertão cearense. Tinha leitura, mas não muita. Gostava de Manuel Bandeira e Drummond, mas queixava-se da falta de métrica e de rimas nos seus versos: "Assim qualquer garoto faz". Não conhecia João Cabral de Melo Neto.
Cego de um olho desde a infância e com a visão do outro praticamente perdida na velhice, apoiava-se numa bengala e ouvia mal. Votava em Lula, mas achava que ele nunca chegaria lá, "porque o povo tem medo". Pelo menos duas vezes referiu-se ao "Brasil de baixo" em seus versos. Vale a pena passear por alguns trechos de "Brasi de cima e Brasi de baxo" no qual o poeta conta sua vida ao amigo Zé Fulô. Ajudam a entender porque Nosso Guia foi reeleito.
"(...)
Tudo o que procuro acho.
Eu pude vê neste crima.
Que tem o Brasi de Baxo
E tem o Brasi de Cima.
Brasi de Baxo, coitado!
É um pobre abandonado;
O de Cima tem cartaz, °°°°Um do ôtro é bem deferente:
Brasi de Cima é pra frente.
Brasi de Baxo é pra trás.
(...)
Inquanto o Brasi de Cima
Fala de transformação,
Indústra, matéra prima,
Descobertas e invenção,
No Brasi de Baxo isiste
O drama penoso e triste
Da negra necissidade;
É uma coisa sem jeito
E o povo não tem dereito
nem de dizê a verdade.
(...)
Meu Brasi de Baxo, amigo,
Prá onde é que você vai?
Nesta vida de mendigo
Que não tem mãe nem tem pai?
Não se afrija nem se afobe,
O que com o tempo sobe,
O tempo mesmo derruba;
Tarvez ainda aconteça
Que o Brasil de Cima desça.
E o Brasi de Baxo suba.
(...)
Mas, tudo na vida passa,
Antes que a grande desgraça
Deste povo que padece,
Se istenda, cresça e redobre,
O Brasi de Baxo sobe
E o Brasi de Cima desce.
(...)
Vai ser legá e comum.
Em vez deste grande apuro,
Todos vão ter no futuro,
Um Brasi de cada um."

É provável que esse versos sejam dos anos 70. O melhor de Patativa aparece quando fala da beleza da vida:
"Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou."


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