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EUGÊNIO BUCCI
"Se enveredar pelo partidarismo, rede será desastre moral"
Conselheiro da TV Cultura e ex-presidente da Radiobrás diz que ingerência não é risco novo, mas "deformação tradicional'
Para Bucci, modelo de fundação daria mais independência; ele acha "péssima" a qualidade de programação das públicas
DA REPORTAGEM LOCAL
"Se ela [TV Brasil] enveredar
pelo partidarismo e pelo governismo, ainda que veladamente,
viveremos um desastre moral."
A avaliação é de Eugênio Bucci,
49, presidente da Radiobrás no
primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele
ajudou a formatar a emissora
que o governo leva ao ar.
Professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da
USP, Bucci defendeu, em entrevistas por e-mail à Folha, o
modelo da TV Cultura, da qual
é conselheiro. Segundo ele, ser
fundação e não uma estatal aumenta a independência.
(LEANDRO BEGUOCI)
FOLHA - Por que o Brasil precisa de
uma TV pública?
EUGÊNIO BUCCI - O Brasil não
precisa apenas de TV pública.
Precisa de um sistema público
não governamental de comunicação, um sistema não comercial que articule rádio, TV e internet. A TV deve ser vista como parte, mas ela não é o todo.
A comunicação comercial sozinha, com suas regras próprias, não consegue suprir as
demandas estruturais do espaço público democrático.
FOLHA - Quais as principais diferenças e semelhanças entre a TV
Cultura e a TV Brasil?
BUCCI - A TV Cultura é uma
fundação, não é uma empresa.
O seu conselho não é todo nomeado pelo governo. Há membros eleitos pelo próprio conselho. Sou conselheiro e fui escolhido por votação. Tendo em
vista o papel que deve caber a
uma emissora pública, o formato de fundação parece, para
mim, bem mais adequado do
que o formato de empresa pública, que acabou prevalecendo
no caso da TV Brasil. A fundação, nos moldes da TV Cultura,
está mais vocacionada para a
independência. É justamente a
margem maior de independência que explica a tradição positiva da TV Cultura.
Entre todas as emissoras públicas do Brasil, são dela os melhores programas. Se há ilhas
de qualidade na TV pública do
nosso país, quase todas estão na
TV Cultura. Aí, a qualidade não
vem meramente do dinheiro
investido. Vem das garantias
formais e institucionais de independência frente aos governos. Nesse ponto, embora ainda seja vulnerável às pressões
do governo, a TV Cultura é a
melhor instituição do Brasil.
FOLHA - A presidência da República
tem forte presença na estrutura da
nova emissora. Como garantir que
não sofrerá ingerência nem será instrumento de propaganda?
BUCCI - A ingerência do governo não é um risco novo, mas um
mal antigo, uma deformação
tradicional. O debate que agora
vem se alastrando é muito bom
e pode ajudar o país a superar o
mal antigo. Existe risco de a TV
Brasil virar mais uma ferramenta de marketing político na
mão dos sucessivos governos?
É claro que existe. Mas, agora, a
sociedade despertou para o
problema. A fiscalização será
intensa. E isso é o que fará com
que o caráter público prevaleça
sobre o caráter governamental.
FOLHA - Não teria sido melhor para
o país que a TV pública e o novo marco regulatório viessem no mesmo
pacote, por lei votada e aprovada no
Congresso em vez de uma MP?
BUCCI - Não tenho dúvidas: a
adoção de novos marcos regulatórios tende a redefinir os espaços tanto das emissoras públicas quanto das emissoras comerciais. Mas não vejo um golpe de esperteza na iniciativa do
governo. Não sei se já deixei isso claro, mas insisto no ponto: o
simples fato de a Radiobrás e a
TVE se dissolverem numa nova
instituição, que seja mais moderna, mais transparente e portanto mais controlável pela sociedade já constitui um avanço.
Agora, a sociedade precisa estar
atenta para que a gestão e a proposta editorial da nova empresa sejam subordinadas a critérios profissionais e públicos. Se
ela enveredar pelo partidarismo e pelo governismo, ainda
que veladamente, viveremos
um desastre moral.
FOLHA - No Brasil, as TVs públicas
também sofrem com a crise de audiência. Como superá-la?
BUCCI - É evidente que gerar
boa audiência é dever de qualquer emissora, inclusive as públicas. Mas, por não ser comercial, a TV pública pode se permitir correr riscos estéticos.
É o preço que paga pela inovação, e às vezes esse risco pode
acarretar perda de audiência.
Isso não tem nada a ver com fazer TV de segunda linha, para
conquistar um traço como pico
de audiência e depois pôr a culpa no telespectador, que é o que
acontece com freqüência no
Brasil. A programação das televisões públicas brasileiras, infelizmente, ainda é, na média,
de péssima qualidade, o que
nos leva a uma triste inversão,
pela qual as pessoas acreditam
que a emissora pública deve ter
aversão a altos índices de audiência. Não.
Ter boa audiência pode ser a
regra, mas não segundo a cartilha das emissoras comerciais.
Para estas, quanto mais público
melhor, porque o público é a
mercadoria que elas vendem
para o anunciante. Do ponto de
vista da emissora pública, o telespectador pode ser tratado
como algo distinto, inteiramente distinto. É daí que ela
deve tirar seu diferencial.
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