São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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EUGÊNIO BUCCI

"Se enveredar pelo partidarismo, rede será desastre moral"

Conselheiro da TV Cultura e ex-presidente da Radiobrás diz que ingerência não é risco novo, mas "deformação tradicional'

Para Bucci, modelo de fundação daria mais independência; ele acha "péssima" a qualidade de programação das públicas

DA REPORTAGEM LOCAL

"Se ela [TV Brasil] enveredar pelo partidarismo e pelo governismo, ainda que veladamente, viveremos um desastre moral." A avaliação é de Eugênio Bucci, 49, presidente da Radiobrás no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ajudou a formatar a emissora que o governo leva ao ar.
Professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, Bucci defendeu, em entrevistas por e-mail à Folha, o modelo da TV Cultura, da qual é conselheiro. Segundo ele, ser fundação e não uma estatal aumenta a independência. (LEANDRO BEGUOCI)

 

FOLHA - Por que o Brasil precisa de uma TV pública?
EUGÊNIO BUCCI -
O Brasil não precisa apenas de TV pública. Precisa de um sistema público não governamental de comunicação, um sistema não comercial que articule rádio, TV e internet. A TV deve ser vista como parte, mas ela não é o todo. A comunicação comercial sozinha, com suas regras próprias, não consegue suprir as demandas estruturais do espaço público democrático.

FOLHA - Quais as principais diferenças e semelhanças entre a TV Cultura e a TV Brasil?
BUCCI -
A TV Cultura é uma fundação, não é uma empresa. O seu conselho não é todo nomeado pelo governo. Há membros eleitos pelo próprio conselho. Sou conselheiro e fui escolhido por votação. Tendo em vista o papel que deve caber a uma emissora pública, o formato de fundação parece, para mim, bem mais adequado do que o formato de empresa pública, que acabou prevalecendo no caso da TV Brasil. A fundação, nos moldes da TV Cultura, está mais vocacionada para a independência. É justamente a margem maior de independência que explica a tradição positiva da TV Cultura.
Entre todas as emissoras públicas do Brasil, são dela os melhores programas. Se há ilhas de qualidade na TV pública do nosso país, quase todas estão na TV Cultura. Aí, a qualidade não vem meramente do dinheiro investido. Vem das garantias formais e institucionais de independência frente aos governos. Nesse ponto, embora ainda seja vulnerável às pressões do governo, a TV Cultura é a melhor instituição do Brasil.

FOLHA - A presidência da República tem forte presença na estrutura da nova emissora. Como garantir que não sofrerá ingerência nem será instrumento de propaganda?
BUCCI -
A ingerência do governo não é um risco novo, mas um mal antigo, uma deformação tradicional. O debate que agora vem se alastrando é muito bom e pode ajudar o país a superar o mal antigo. Existe risco de a TV Brasil virar mais uma ferramenta de marketing político na mão dos sucessivos governos? É claro que existe. Mas, agora, a sociedade despertou para o problema. A fiscalização será intensa. E isso é o que fará com que o caráter público prevaleça sobre o caráter governamental.

FOLHA - Não teria sido melhor para o país que a TV pública e o novo marco regulatório viessem no mesmo pacote, por lei votada e aprovada no Congresso em vez de uma MP?
BUCCI -
Não tenho dúvidas: a adoção de novos marcos regulatórios tende a redefinir os espaços tanto das emissoras públicas quanto das emissoras comerciais. Mas não vejo um golpe de esperteza na iniciativa do governo. Não sei se já deixei isso claro, mas insisto no ponto: o simples fato de a Radiobrás e a TVE se dissolverem numa nova instituição, que seja mais moderna, mais transparente e portanto mais controlável pela sociedade já constitui um avanço.
Agora, a sociedade precisa estar atenta para que a gestão e a proposta editorial da nova empresa sejam subordinadas a critérios profissionais e públicos. Se ela enveredar pelo partidarismo e pelo governismo, ainda que veladamente, viveremos um desastre moral.

FOLHA - No Brasil, as TVs públicas também sofrem com a crise de audiência. Como superá-la?
BUCCI -
É evidente que gerar boa audiência é dever de qualquer emissora, inclusive as públicas. Mas, por não ser comercial, a TV pública pode se permitir correr riscos estéticos.
É o preço que paga pela inovação, e às vezes esse risco pode acarretar perda de audiência.
Isso não tem nada a ver com fazer TV de segunda linha, para conquistar um traço como pico de audiência e depois pôr a culpa no telespectador, que é o que acontece com freqüência no Brasil. A programação das televisões públicas brasileiras, infelizmente, ainda é, na média, de péssima qualidade, o que nos leva a uma triste inversão, pela qual as pessoas acreditam que a emissora pública deve ter aversão a altos índices de audiência. Não.
Ter boa audiência pode ser a regra, mas não segundo a cartilha das emissoras comerciais. Para estas, quanto mais público melhor, porque o público é a mercadoria que elas vendem para o anunciante. Do ponto de vista da emissora pública, o telespectador pode ser tratado como algo distinto, inteiramente distinto. É daí que ela deve tirar seu diferencial.


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